TAMBORES DO OLODUM

Covid-19: Silenciaram-se os tambores do Olodum

Tambores do Olodum silenciaram em memória às vítimas do Coronavírus – O retrato do passado serve como cartaz do filme do presente

Por Marcelo Gentil

Naquela sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021, o Pelourinho, que já se encontrava parado em função do pandemônio provocado pelo Novo  Corona Vírus, quedou-se em um silêncio ensurdecedor pactuado com os tambores do Bloco Afro Olodum. Naquele dia, o Pelô não pôde entoar os versos do compositor Tatau, que dizem: “Sexta-feira eu vou subindo o Pelourinho/ Eu sou Olodum, saia do caminho”.

O Olodum é reconhecido mundialmente pela combinação das cores dos seus tambores, que são as cores do pan-africanismo: o verde, o vermelho, o amarelo e o preto. Reconhecido, principalmente  pelo ritmo do samba-reggae que percute dos mesmos tambores e que encanta aos cidadãos comuns, simples mortais, mas também às grandes estrelas do das artes e, em especial, da  como aconteceu com Daniela Mercury, Gal Costa, Simone, Jimmy Cliff, Paul Simon,  Michael Jackson  entre tantos outros.

Em muitos outros momentos do passado, os tambores do Olodum rufaram em alto e bom som  para protestar contra o racismo e reivindicar direitos para todos, em especial para o povo afro-baiano.  Igualmente  em outros momentos  esses mesmos tambores se calaram em protesto contra a de um de seus músicos, covardemente assassinado por um preposto da Polícia Militar baiana. Desta vez, a voz dos tambores foi embargada por outro motivo, que diz respeito a centenas de milhares de brasileiros.

A sexta-feira, historicamente, marca o primeiro dia de desfile do carnaval do Bloco Afro Olodum. A cidade,  a imprensa do Brasil e do mundo – blocos de anotação, microfones, câmeras fotográficas e de filmagens – voltam as suas atenções para a abertura do desfile, que em um primeiro momento  acontece entre a Rua das Laranjeiras, saindo da frente da Olodum e  indo até a Casa do Olodum, na Rua Gregório de Matos.

Neste local, a percussão  formada por 120 percussionistas  entre homens e , por aproximadamente uma  hora  se exibem, fazendo suas performances de toques e danças, antes de seguir para o Circuito Osmar no centro da cidade. Ali, desfilam arrastando multidões de pessoas que, ansiosamente, aguardam o rufar dos tambores do “Exército do samba-reggae”, como é chamado o batalhão formado por homens e mulheres de diferentes bairros de Salvador. Neste roteiro sempre empunham os seus tambores para fazerem  jus a um dos grandes sucessos do Olodum que afirma de maneira peremptória: … “A arma é musical/ Tocando reggae, tocando jazz, tocando blues/ Eu louvo a Jah eu digo/ já chegou o Olodum”.

Em entrevista concedida para o Portal de notícia G1 na sexta-feira em que se iniciaria o carnaval do Bloco Olodum, o cantor do Olodum Lucas de Fiori, ao refletir sobre este momento que mescla angústia, dor e sentimento de impotência, descreveu:

Hoje os nossos tambores estão em silêncio. Não apenas para dizer que não haverá carnaval. O  tambor do Olodum silencia em respeito às pessoas que perderam as suas vidas para a Covid19!

Já a maestrina do Olodum, Andreia Reis  postou em suas redes sociais: …

E hoje, seria o grande dia !! O dia em que os tambores iriam Rufar em frente a casa do Olodum. Os sons da percussão invadindo o centro histórico, e nessa invasão iria consigo sentimentos… De felicidade, amor e gratidão. Estamos passando por momentos difíceis e delicado. Vamos ter mais respeito com a humana, vamos ter mais empatia com o próximo. Vamos respeitar

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Foto: arquivo CDMO

Em 12 de fevereiro de 2021, segundo o Consórcio dos Veículos de Imprensa, uma vez que o Ministério da deixou de informar os dados consolidados de Covid-19, eram registrados mais 1.204 mortos em um intervalo de 24 horas pelo Brasil, contabilizando 51.546 novos casos com uma média móvel de 45.519 novos casos em 7 dias, perfazendo até ali um total de 237.601 mortos e 9.765.964 casos  desde o início da pandemia.

Um publicado em 24 de novembro de 2020 pela Faculdade de Medicina da UFMG a respeito da mortalidade por Covid-19, em São Paulo, destaca que:

“Homens negros são os que mais morrem pela covid-19 no país: são 250 óbitos pela doença a cada 100 mil habitantes. Entre os brancos, são 157 mortes a cada 100 mil. Os dados são do levantamento da ONG Instituto Polis, que analisou casos da cidade de São Paulo entre 01 de março e 31 de julho. Entre as mulheres, as que têm a pele preta também morreram mais: foram a 140 mortes por 100 mil habitantes, contra 85 por 100 mil entre as brancas. Outro levantamento, desta vez pelo IBGE, mostrou que mulheres, negros e pobres são os mais afetados pela doença. A cada dez pessoas que relatam mais de um sintoma da covid-19, sete são pretas ou pardas… “

Em todo o Brasil os dados não são muito diferentes. Foi por isso que o Olodum, desde a sua reinvenção em 1983 está comprometido com a valorização da vida e com uma cultura de paz. O OLODUM silenciou os seus tambores em homenagem aos homens e mulheres, negros e brancos que foram vitimados pela pandemia da COVID 19,  como diz uma de suas músicas, “O Olodum é pela vida/ É pelo amor/ Mas que beleza…”

O Olodum também calou os seus tambores  como forma de protesto ao negacionismo daqueles que falsamente intitulam a doença chamando-a de “gripezinha”, ou que incentivam as pessoas a irem às ruas e se aglomerarem além de propalarem criminosamente ideias tóxicas de que o uso de máscara seria ineficiente como barreira para o vírus ou prejudicial à saúde.

Afinal, importam e todas as vidas importam. Por isso, respeitosa e silenciosamente, protestamos para que o Brasil e o mundo possam  nos ver e nos ouvir através do nosso protesto silencioso.  A imagem dos tambores silentes descansando sobre as pedras do Pelourinho rodaram o mundo e mais uma vez mostraram o compromisso do Deus dos Deuses Olodum com a preservação da vida.

Olorum Kossi Puré!

Marcelo Gentil é licenciado em história pela UCSAL, especialista em Gerência Social pelo INDES/BID/EUA, compositor e Vice-presidente do Olodum.

Fontes:

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/02/13/sem-carnaval-olodum-expoe-instrumentos-em-rua-do-pelourinho-tambores-estao-em-silencio.ghtml

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/02/12/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-12-de-fevereiro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml

PECHIM, Letícia: Negros morrem mais pelo covid-19 – acessado em medicina.ufmg.br/negros-morrem-mais-pela-covid-19/


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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