Crimes de guerra: direito internacional e ataques a hospitais
Destruição em Gaza alerta sobre crimes de guerra de Israel. Ataques a hospitais e campos de refugiados são proibidos pelo direito internacional
Por Lucas Toth/Portal Vermelho
Na última sexta (13), o presidente de Israel Isaac Herzog, inflamado pelos dias de guerra recém declarada pelo premiê, Benjamin Netanyahu, subiu ao púlpito em uma entrevista coletiva, em Tel Aviv, para defender os bombardeios aéreos do exército israelense, e responsabilizou os palestinos pela destruição em Gaza.
“Toda uma nação [Palestina] aí fora é responsável”, disse Herzog, responsabilizando os palestinos, de certa forma, pelos ataques do Hamas no dia 7 de outubro, que resultaram na morte de 1.200 israelenses.
“Esta retórica sobre os civis [palestinos], que eles não estão conscientes e não estão envolvidos, não é verdadeira. Eles poderiam ter-se levantado, poderiam ter lutado contra aquele regime maligno [Hamas] que tomou Gaza num golpe de estado”, disse Herzog.
As declarações do chefe do Executivo tentam justificar uma série de ações do exército israelense que podem configurar crimes de guerra.
Naquele dia, terminava o prazo de 24 horas que as forças armadas israelenses tinham dado para que civis palestinos deixassem a área ao norte da Faixa de Gaza. Cerca 1,1 milhão de pessoas tiveram que deixar as regiões da Cidade de Gaza, Beit Lahiya e Beit Hanoon, em um movimento denunciado por autoridades internacionais e organizações de direitos humanos como uma “catástrofe humanitária”.
A despeito do prazo, Israel já tinha, em seis dias de conflito, batido o recorde de disparos aéreos, atingindo seis mil bombardeios à Faixa de Gaza, a terceira maior densidade demográfica do mundo, com mais de 2,3 milhões residentes em um área de 41 quilômetros de costa e apenas de 6 a 12 quilômetros de largura.
Por toda a extensão de Gaza, mísseis israelenses atingiram alvos civis, como hospitais, campos de refugiados, prédios residenciais, veículos de imprensa e universidades. Ao todo, os ataques israelenses mataram 3.478 palestinos e deixaram mais de 12 mil feridos, segundo dados divulgados pelo ministério da Saúde local.
Nem os oito campos de refugiados foram poupados pelas forças israelenses. No dia em que o presidente Isaac Herzog defendeu os ataques aéreos e responsabilizou os palestinos pela destruição em Gaza, o exército israelense bombardeou o campo de refugiados Shati, deixando inúmeros mortos.
Nesta quarta (19), outro ataque atingiu uma escola da ONU no campo de refugiados Al-Maghazi, no sul de Gaza, deixando ao menos seis mortos. “As Forças Aéreas Israelenses continuam a atacar áreas do sul, apesar das ordens para que as pessoas em Gaza se deslocassem para o sul”, publicou a agência das Nações Unidas de Assistência e Trabalho para Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA).
Os números da destruição praticada por Israel em Gaza impressionam:
– 8.840 residências destruídas e 5.434 residências danificadas
– 57 ataques em unidades de saúde, 27 hospitais atingidos, 23 ambulâncias danificadas
– Seis poços de água, três estações de bombeamento, uma usina de dessalinização foram danificadas
– Ao mentos sete igrejas e 11 mesquitas foram destruídas
– 167 unidades de ensino foram atingidas por ataques aéreos, incluindo 20 escolas ligadas à ONU
Crimes de guerra de Israel
A narrativa israelense, justificada pela tese de autodefesa, no entanto, encontrou turbulências para manter-se em pé, após um bombardeio atingir, nesta terça (17), o hospital al-Ahli Arab, deixando 500 pessoas mortas, segundo as autoridades locais.
Imagens de palestinos mortos e feridos dentro do hospital inundaram as redes sociais, chocando a opinião pública. Atacar hospitais e instalações de saúde civis durante conflitos é crime de guerra, segundo o direito humanitário internacional.
Em um gesto de solidariedade às vítimas do ataque, diversos países e líderes ao redor do mundo manifestaram sua indignação e preocupação, condenando o ocorrido. O governo brasileiro emitiu, nesta quarta (18), uma nota condenando o bombardeio.
Outros países e organizações classificaram a agressão como “crime de guerra”, “massacre” e “violações ao direito humanitário internacional”.
Além das consequências políticas, como o início de uma onda de protestos no Oriente Médio e no norte da África, as ações israelenses podem, de fato, ser enquadradas no rol de crimes que ferem tratados internacionais, sobretudo a Convenção de Genebra.
De acordo com a ONU, um crime de guerra ocorre durante um conflito armado e constitui uma violação das Convenções de Genebra e uma violação do direito humanitário internacional – o conjunto de regras, também conhecido como “direito da guerra”, que procura limitar os efeitos da guerra moderna.
A Human Rights WatchA Human Rights Watch, uma das mais importantes organizações em defesa dos direitos humanos, condenou o bombardeio ao hospital, em Gaza.
“O assassinato de mais de 500 palestinianos num ataque ao hospital em Gaza é horrível e indescritível. Os líderes mundiais precisam agir para evitar novas atrocidades em grande escala em Gaza”, disse Lama Fakih, diretor para o Oriente Médio e norte da África da Humans Right Watch.
Diretor de comunicação do órgão, Ahmed Benchemsi, definiu como “crime de guerra” os “ataques ilegais cometidos deliberadamente ou de forma imprudente”. “De acordo com o direito humanitário internacional, todas as partes em conflito têm a obrigação de tomar cuidado constante para poupar a população civil e os bens, e minimizar a perda de vidas e propriedades civis”.
Convenção de Genebra
O mundo do pós-guerras mundiais, com o horror praticado pelos exércitos nazifascistas de Adolf Hitler e Benedito Mussolini, percebeu que era necessário organizar leis internacionais em defesa da vida humana, contra as ameaças autoritárias e seu poderio bélico e político.
Estas regras internacionais constituem um complexo sistema de Justiça que surgiu a partir da Convenção de Genebra, em 1949. Uma série de documentos regulamenta o tratamento a civis, soldados e prisioneiros de guerra, no que ficou conhecido como “Direito Internacional Humanitário” ou “Lei do Conflito Armado”.
Naquele ano, a convenção ratificou três documentos anteriores (as três primeiras convenções, em 1864, 1906 e 1929), e produziu a 4ª convenção de Genebra – quando se fala hoje em dia da Convenção de Genebra, refere-se ao resultado desta Convenção -, que acrescentou direitos e deveres relativo à proteção dos civis em período de guerra.
Veja a seguir as convenções de Genebra:
- 1ª Convenção de Genebra (1864):
Protege soldados, doentes e feridos, garantindo tratamento humano, assistência médica e proteção contra violência (inclusive contra assassinato e tortura). Ela garante recolhimento de doentes, feridos e mortos e protege funcionários e instalações médicas.
Esta convenção reconhece a simbologia da cruz vermelha e o crescente vermelho como sinais visíveis de proteção
- 2ª Convenção de Genebra:
Ratifica os mesmo direitos e deveres da 1ª Convenção de Genebra adaptando-as para as forças armadas do mar.
- 3ª Convenção de Genebra:
O terceiro documento protege os prisioneiros de guerra. De acordo com esta convenção, eles devem ser tratados humanamente e nunca devem ser assassinados e torturados.
Prisioneiros também não devem ser submetidos a violência sexual. As mulheres e outros prisioneiros de guerra que enfrentam riscos particulares têm proteções específicas. Os prisioneiros de guerra devem recebem alimentação, água, roupas, abrigo e cuidados médicos adequados.
Devem poder escrever para casa, serem visitados pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e devem ser liberados imediatamente depois do fim das hostilidades ativas.
- 4ª Convenção de Genebra:
A 4ª convenção, já no pós-guerras, ratifica todas as outras convenções e ainda garante a proteção de civis em meio aos conflitos.
Fonte: Portal Vermelho Capa: Reprodução/ UNRWA