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Chiquinha Gonzaga

CHIQUINHA GONZAGA: PIONEIRA, TRANSGRESSORA, LIBERTÁRIA

Chiquinha Gonzaga: Transgressora, libertária, pioneira dos carnavais

Compositora. Pianista. Maestrina. Regente. Professora. Carnavalesca. Pioneira. Abolicionista. Libertária. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a que, em 1899, inaugurou a história do Carnaval carioca com a Ó abre alas, partiu desse mundo em um 28 de fevereiro, véspera de Carnaval.

Por Zezé Weiss

CHIQUINHA GONZAGA: PIONEIRA, TRANSGRESSORA, LIBERTÁRIA
e História se encontram: Projeto @negromuro presta a Chiquinha Gonzaga. Fonte: Facebook Chiquinha Gonzaga

No tempo em que por aqui passou (1847–1935), a filha de mãe preta forra com pai militar e aristocrata fez do seu viver um constante exercício de luta por direitos e liberdades, causando sempre grandes escândalos em seus dias.

Pelos costumes da época, o pai a fez casar aos 16, com grandes pompas. Aos 20, ante a exigência do marido de que deixasse a música para cuidar do lar, acabou com o casamento. “Não entendo da sem música”, teria dito Chiquinha ao sair de casa.

Declarada morta em vida pelo pai por ter “manchado a honra” da família, para sobreviver, Chiquinha teve que mergulhar no trabalho, transformando o piano, seu lazer desde criança, em fonte de .

Corajosa, além de dar aulas em casas particulares, tocava piano em um conjunto musical. Com isso, acabou por criar remunerada a profissão de pianista, ou de música, até então inédita para a mulher. Foi um reboliço.

Aberta, sem preconceitos, a moça educada para ser dama de salão, separada de um promissor empresário e apaixonada por um engenheiro, passou a incorporar ao seu piano as mundanas polcas, tangos e valsas que imperavam no ambiente musical do Rio de Janeiro durante o Segundo Reinado. 

O sucesso da composição com que estreou nos salões, a polca Atraente (1877), complicou ainda mais a sua reputação.

CHIQUINHA GONZAGA:  PIONEIRA, TRANSGRESSORA, LIBERTÁRIA
Estreia de Juriti, peça teatral de Viriato Correia com música de Chiquinha Gonzaga em 1919 – ChiquinhaGonzaga.com

Inquieta, também escrevia partituras para o teatro musicado, onde estreou em 1885 com a opereta A Corte na Roça. A música ganhava mais uma profissão feminina, a de maestrina. Daí pra frente, o conheceu dezenas de peças de teatro musicadas por Chiquinha Gonzaga.

Entre a música, o trabalho e o cuidado com os quatro filhos (só um vivia com ela), Chiquinha dava um jeito de também ser militante . Abolicionista, vendia suas partituras para fortalecer as finanças da Confederação Libertadora. E foi vendendo partituras que comprou a alforria de um músico chamado José Flauta.

Inconformada com a por que passava no trabalho como música, a “sindicalista” Chiquinha criou, no ano de 1917, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), a primeira sociedade arrecadadora de direitos autorais no Brasil.  Era Francisca, a cidadã engajada, fazendo história como precursora na defesa de direitos e à frente das grandes causas de seu tempo.

Da mesma forma, na vida pessoal ousou descasar, apaixonar, separar de novo. Aos 52 anos, já artista reconhecida, conheceu o adolescente português João Batista Fernandes Lage que, de tão apaixonado, contrariando todas as regras da época, passou a assinar João Batista Gonzaga. Com Joãozinho, como o chamava, viveu até o fim de seus dias, aos 87 anos.

Sob todas as perspectivas, o sucesso lhe chegou em vida. Mas foi na virada do século XIX para o século XX, em 1899, que a primeira chorona, a primeira pianista de choro, a primeira mulher remunerada por seu trabalho na , compôs a marchinha carnavalesca Ó abre alas e, com isso, imortalizou-se no imaginário do samba como a foliona de todos os carnavais.

HIQUINHA GONZAGA: PIONEIRA, TRANSGRESSORA, LIBERTÁRIA
Chiquinha Gonzaga assina subscrição pública para aquisição de pena de ouro para assinatura da Lei da Abolição em 1888 #chiquinhagonzaga


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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