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Dados de publicação inédita revelam o impacto do racismo nas oportunidades econômicas voltadas ao cinema

Cinemateca Negra: Dados de publicação inédita revelam o impacto do racismo nas oportunidades econômicas voltadas ao cinema brasileiro

A idealização e organização do material é do Instituto NICHO 54, que atua pela promoção da carreira de pessoas negras em posições de liderança no audiovisual.

Por Redação/Cine Ninja

De acordo com a Cinemateca Negra, em publicação inédita que investiga a história do Cinema Negro ao mapear e consolidar dados sobre filmes produzidos por pessoas negras no Brasil de 1949 até 2022, 1.086 filmes — incluindo longas, curtas e médias metragens — foram dirigidos por uma ou mais pessoas negras desde a década de 40. O levantamento também revela que 83% de toda essa produção surgiu entre as décadas de 2010 e 2020 e que, historicamente, há baixa prevalência de longas produzidos por este público no Brasil.

A pesquisa, que se propôs a observar somente o universo de produções negras, é uma realização do NICHO 54, instituto que apoia a carreira de pessoas negras em posições de liderança criativa, intelectual e econômica na indústria, e foi coordenada por Heitor Augusto, responsável pela concepção, organização e edição da publicação. Seu pré-lançamento aconteceu no último dia 17 de novembro, em São Paulo, durante a programação oficial do festival negro de cinema NICHO NOVEMBRO.

A Cinemateca Negra mostra que 1.086 filmes com duração maior a 4 minutos foram dirigidos por uma ou mais pessoas negras desde 1940, além de uma explosão de produções negras entre as décadas de 2010 e 2020 – 83% de todos filmes foram produzidos neste período. Até os anos 60, apenas 6 filmes haviam sido realizados por pessoas negras.

“Os primeiros dados já revelam como o racismo impacta negativamente a produção intelectual das pessoas pretas ligadas à cena audiovisual no Brasil e mostram o possível impacto positivo das políticas afirmativas. Vale lembrar que não há nenhum levantamento com o recorte que propõe a Cinemateca Negra ou semelhante, tampouco um que contabilize a totalidade de filmes brasileiros”, revela Heitor Augusto, programador chefe do NICHO 54 e pesquisador responsável pela publicação.

O levantamento também realiza um recorte considerando o tipo de produção – curtas, médias e longas – por década. A proporção dos longas com ao menos um diretor negro também chama a atenção, com 23,8% das produções negras na década de 1970, 55% na década de 80, 11,7% na década de 90 (média é de 19 produções por década), 8,5% nos anos 2000 (média de 117) e pouco mais de 10% nas décadas de 2010 (média de 586) e 2020 (média de 337).

“Chama a atenção a importância percentual dos longas-metragens nesse período. Uma das hipóteses com a qual trabalhamos diz respeito à transformação do caminho de uma pessoa negra rumo ao longa. Até os anos 1980, antes de chegar ao longa, o profissional acumulava significativa experiência em funções como produção, continuísta, roteiro, atuação, cenografia e cinegrafia. Realizar um longa depende de muitos fatores que podem revelar tetos de oportunidade baixos para negros. O crescimento no número de longas produzido também se refere a maiores oportunidades”, explica Heitor Augusto.

Outro ineditismo da publicação foi a criação de uma metodologia própria para categorizar gênero e raça, que foi além da autodeclaração, método usado em levantamentos como o do IBGE.

“Tudo foi feito com intenso rigor técnico, respeitando a literatura construída pelas humanidades, mas também entendendo a complexidade do tema, adaptando caminhos”, revelou o pesquisador.

A Cinemateca Negra começou a ser produzida em março de 2023 e teve como fonte de pesquisa festivais, mostras de cinema, retrospectivas e sessões especiais, além de cursos de cinema e audiovisual, cursos livres, formações técnicas e workshops de realização. Também foram consultadas coletâneas em DVD e Blu-ray, artigos acadêmicos, livros de entrevistas e coletâneas, Hemeroteca Digital Brasileira, notícias e matérias online. Bem como repositórios digitais de cinematecas, acervos pessoais, e, por fim, o contato direto com o realizador de determinada produção ou seus descendentes.

A publicação completa, que foi patrocinada pela Open Society Foundations e será lançada em 2024 em versão impressa bilíngue, contará com outros seis gráficos que apresentarão novos dados ligados aos formatos das produções, identidade de gênero dos realizadores e papel ocupado por eles (direção, codireção).

“Acreditamos que o cinema negro pertence à historia do cinema brasileiro e queremos que ele seja ensinado nos cursos, seja referência para pessoas negras e não negras, que seja conhecido e valorizado”, completa Heitor Augusto.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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