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JOÃO CARLOS BATISTA SEGUE SEM TER SUA HISTÓRIA LEMBRADA

João Carlos Batista: deputado assassinado há 36 anos segue sem ter sua história lembrada

Neste dia 6 de dezembro, completam-se 36 anos do assassinato de meu irmão, o advogado e deputado estadual João Carlos Batista, ocorrido em Belém, capital paraense, em 1988, logo após ele fazer uma denúncia de ameaças que havia sofrido dias antes, durante a discussão da Assembleia Constituinte Estadual do Pará.

Por Pedro César Batista

Nossa família chegou ao Pará em 1965, influenciada pela campanha da ditadura “uma terra sem homens para homens sem terra”. Meu pai era agricultor sem terra, fomos para Paragominas, no meio da floresta, onde vivemos até 1975, quando mudamos para Belém. Meu irmão, Batista, retomou os estudos aos 21 anos, fez supletivo, cursinho, vestibular e se formou em Direito.

Na faculdade, foi o responsável pela organização do Diretório Acadêmico; em 1978, liderou a primeira greve de estudantes contra o preço abusivo de mensalidades; integrou a Comissão Nacional de Reconstrução da União Nacional de Estudantes responsável pelo congresso da entidade, em maio de 1979, em Salvador.

Ao se formar, em 1981, passou a advogar para inúmeros sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais. Antes integrou a direção da juventude do MDB e depois do PMDB. Um jovem que saiu do campo e se tornou uma liderança na luta contra a ditadura e pelos direitos dos trabalhadores. Sua militância como advogado angariou o ódio de patrões e latifundiários, sempre perseguido pelo DOPS e alcaguetes da ditadura.

Candidato a deputado estadual em 1982, ficou na suplência. Em 1985, sofreu o primeiro atentado à bala. Nosso pai, Nestor, que o acompanhava recebeu uma carga de cartucheira calibre 20 no rosto, não faleceu. Em 1986, novamente tentaram assassiná-lo. O motorista que dirigia um caminhão transportando gado de um fazendeiro, que foi denunciado como um dos mandantes do primeiro atentando, colidiu frontalmente com o fusca em que Batista estava; ele ficou três dias em uma UTI, e sobreviveu.

JOÃO CARLOS BATISTA SEGUE SEM TER SUA HISTÓRIA LEMBRADA
Reprodução/Insternet

Neste mesmo ano, é eleito deputado estadual. Ao assumir o mandato quebrou o protocolo no Tribunal de Justiça durante a diplomação, acompanhado de centenas de camponeses faz um discurso onde reafirmou suas origens e as bandeiras em defesa da reforma agrária, denunciou o latifúndio e o sistema que causava fome e violência contra os trabalhadores.

O Mandato 

Durante o mandato, que durou 17 meses, seguiu sua trajetória, cada vez mais ascendente, diante das grandes mobilizações de trabalhadores que organizava, fosse dentro do parlamento, na capital ou nas cidades do interior, apoiando e organizando camponeses e colonos em defesa da reforma agrária, da moradia e direitos. Ele possuía uma capacidade de mobilizar grandes massas de pobres e trabalhadores do campo e da cidade que assustava os donos do poder.  

Anos antes, em 1985, Ronaldo Caiado com outros latifundiários fundaram a UDR – União Democrática Ruralista, elaboraram uma lista de lideranças ligadas à luta pela terra que deviam ser eliminadas. João Batista estava na lista de marcados para morrer. Uma lista que era cumprida de forma pública.  Quando uma liderança camponesa era assassinada chegavam a fazer festa em fazendas, regada a muito churrasco e bebidas.

Em 1 de maio de 1987, Dia do Trabalhador, na cidade de Paragominas, foi marcado por vários sindicatos de trabalhadores um ato em defesa da reforma agrária e contra a violência dos latifundiários, liderados pela UDR. O ato reuniu milhares de camponeses, que saíram em passeata pela cidade quando um grupo de pistoleiros entrou no meio do povo e tentou, pela terceira vez, assassinar o advogado, então deputado.

Houve tiroteio, um pistoleiro foi justiçado pelo povo no meio da rua. Ficaram baleados dos dois lados. A polícia e os principais jornais da capital acusaram Batista, assim como fizeram nos atentados anteriores. Isso não o desanimava, ele seguia animando e inspirando o povo a se unir, organizar e lutar por direitos e pela terra.

No parlamento, não havia um dia em ele que não usasse a Tribuna para defender seus ideais de justiça social, denunciar a exploração que os trabalhadores urbanos sofriam e a violência que os latifundiários, com a apoio da polícia e os olhos vendados da Justiça, seguiam praticando contra trabalhadores rurais.

O assassinato 

Foi quando, em 6 de dezembro, logo após fazer um pronunciamento, momento que se discutia o Regimento Interno da Assembleia Constituinte Estadual, instalada dias antes, Batista denunciou mais uma ameaça de morte feita por um major e um tenente da PM, que chegaram a preparar o gatilho para matá-lo. Exatamente 30 dias antes, havia enviado um telex ao então ministro da Justiça, Paulo Brossard, pedindo segurança, que nunca recebeu do Estado.

Saiu da Assembleia Legislativa, após às 19h, buscou a família e seguiu para sua casa. Antes de entrar no prédio, enquanto aguardava o portão abrir, um pistoleiro tocaiado atrás de uma mangueira acertou um tiro fatal em sua cabeça. Após o seu assassinato, foram dias de intensa mobilização de dor e revolta. Colonos ocuparam uma fazenda de um dos maiores latifundiários da região, Joaquim Fonseca, como resposta ao crime. Duas semanas depois assassinam Chico Mendes. Desde então, a história de Batista foi apagada.

Foram presos dois pistoleiros, um após um mês do crime e o outro, o que deu o tiro em Batista dois anos após o assassinato. O primeiro, depois de uma semana na Penitenciária de Americano, foi degolado. O que atirou foi julgado somente em 2002, condenado a 22 anos de prisão, porém logo ganhou liberdade. Durante o processo, que julgou o assassinato, passaram 8 (oito) juízes.

Os Mandantes 

Os mandantes, líderes da UDR, nunca foram denunciados, apesar de serem conhecidos. O pistoleiro que ganhou liberdade voltou a atuar como matador, desta feita a serviço de latifundiários no Maranhão e no Piauí, sendo eliminado com 14 tiros, no dia 11 de dezembro de 2010.

Um jovem camponês, filho de família pobre, que teve uma dedicação por toda sua vida ao trabalho, “um dos melhores filhos do povo”, segundo João Pedro Stédile afirma, no prefácio do livro João Batista, mártir da reforma agrária. Batista, por 10 anos conseguiu organizar, mobilizar e contribuir para conquistas dos estudantes, trabalhadores urbanos e fazer na marra a reforma agrária, conquistando a terra para dezenas de milhares de famílias, as quais seguem em seus lotes rurais ou urbanos, terminou assassinado duas vezes.

A primeira quando conseguiram, enfim, acertar um balaço mortal em sua cabeça; a segunda morte se deu quando, a própria esquerda escondeu a história deste revolucionário, um exemplo para a juventude, para os trabalhadores, que cada vez mais perdem a indignação, a disposição de se unir e se organizar para defender uma sociedade justa e digna para todos, especialmente os mais pobres.

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p style=”text-align: justify;”>Pedro César Batista – Jornalista, escritor e irmão de João Batista. Autor de “João Batista, mártir da reforma agrária” (2009), “Marcha interrompida” (2006) e “Noite longa” (2024), entre outros títulos.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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