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Dona Cecília Mendes, a Matriarca do Cachoeira

Doces Memórias de Dona Cecília Mendes , a  Matriarca do Cachoeira

Dona Cecília Mendes era a matriarca da família Mendes e de todo o pessoal do Seringal Cachoeira. Em sua casa simples e limpíssima, com tudo brilhando, no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes, o tempo todo tinha gente entrando e saindo em busca de causos, histórias, bênçãos e conselhos.

Por Gomercindo Rodrigues

Dona Cecília Mendes era a matriarca da família Mendes e de todo o pessoal do Seringal Cachoeira. Em sua casa simples e limpíssima, com tudo brilhando, no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes, o tempo todo tinha gente entrando e saindo em busca de causos, histórias, bênçãos e conselhos.

Embora fosse de madeira, com assoalho de tábuas, a casa dela era quente, porque foi construída com telhas de fibrocimento, que favorecem o calor. Ela dizia que, à época, não foi possível encontrar uma árvore de cedro para tirar o cavaco para a cobertura, por isso o telhado foi feito com as telhas que vieram da cidade e fizeram a sua casa ficar muito quente.

Mesmo assim, era ali que dona Cecília recebia as visitas no Cachoeira, sempre com um sorriso no rosto “envelhecido de tanta luta”, e todo mundo que passou por lá se encantou com sua vitalidade, sua simpatia e sua alegria. Do alto de seus metro e meio de altura, aquele doce de pessoa era a melhor imagem da receptividade dos seringueiros.

Cecília Teixeira do Nascimento nasceu num local bem próximo a Xapuri, no “Sumaré”, entre a cidade e o que é hoje a BR 317, no dia 1º de janeiro de 1926. Ficou pouco tempo lá, mudando-se para o Seringal Porto Rico quando tinha 11 anos de idade.

Aos 15, casou-se com Joaquim Mendes, o Seu Quinca, tio de Chico Mendes. De 16 para 17 anos, teve a primeira filha e daí não mais parou de parir. Teve 19 filhos, dos quais 18 foram criados no peito – uma nasceu morta –, sempre dentro do seringal, “sem assistência de nada”, sem nunca ter tido qualquer tipo de atendimento médico.

À Colocação Fazendinha, no Seringal Cachoeira, dona Cecília chegou no dia 3 de maio de 1969, grávida do seu último filho. Ela sempre lembrava com saudades do tempo em que chegou à Fazendinha: “Isto aqui era uma animação só. Era uma alegria só, com muita diversão, apesar de todas as dificuldades”. Mas, segundo dona Cecília, do ano de 1975 em diante, o Cachoeira viveu tempos de muito sofrimento, “foi quando começou a ter ameaça, aí não prestou mais”, ela costumava dizer, referindo-se à chegada dos fazendeiros para desmatar as florestas e fazer pastos para a criação de gado na região.

Em entrevista à Biblioteca da Floresta, localizada em Rio Gomercindo Rodrigues Branco, no Acre, dona Cecília deixou gravada a extensão do seu sofrimento, que era o sofrimento do seu povo: “Eles pintavam e bordavam com a gente. Tomavam as colocações, metiam fogo na casa e derrubavam a mata”.

Dona Cecília registrou também um pouco de sua parceria com o sobrinho Chico Mendes: “O Chico fazia muita reunião na minha casa, chegava a juntar 100 homens, e eu ficava na cozinha fazendo pra esse povo a comida que ele conseguia. De três em três dias, ele trazia 50 quilos de carne”.

Depois, com as conquistas dos seringueiros, dona Cecília falava animada do quanto o Cachoeira voltou a ser um lugar bom de se viver: “Aqui eu conheci muito sofrimento, mas agora tem escola, tem estrada, mudou demais. Sair daqui, só pra morrer mesmo!”

E dali ela de fato saiu poucas vezes, a primeira aos 66 anos, para tratar de uma malária. A derradeira delas foi “para morrer mesmo”. Depois de passar algumas semanas em uma UTI num hospital de Rio Branco, a grande mãe dos seringueiros partiu desse nosso mundo no dia 12 de junho de 2013. Ela tinha 87 anos de idade.

Gomercindo Rodrigues –  Advogado. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Escritor. Autor do livro “Caminhando na Floresta com Chico Mendes”. Editoras Edufac/Xapuri, 2009. Capa: Divulgação/O Alto Acre.  


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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