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Os banqueiros e os juros

Os banqueiros e os juros

Para evitar que seus benefícios sejam, de alguma forma, reduzidos em algum momento mais à frente, eles agora tentam se antecipar ao debate e apresentam algumas propostas tímidas. Trata-se de uma estratégia inteligente

Estava eu, outro dia, entrando bem tranquilo em uma livraria aqui em e deu-se o inusitado. Uma vendedora aproximou-se de mim, toda simpática e sorridente, oferecendo-me um . Achei estranho, pois não costuma ser bem essa a prática mais comum de abordagem dos “colaboradores” nesse tipo de loja. Era um exemplar bem cuidado e pesado, material gráfico de primeira categoria. Sem olhar para os detalhes, respondi que não estava interessado, pois realmente tinha ido buscar outra coisa. “Não se preocupe, é de graça! Pode levar um, se quiser!”

E foi só então que eu atentei para o título: “Como fazer para os juros serem mais baixos no ”. É óbvio que me interessei de imediato. Ao procurar pelo autor na capa, no entanto, deparei-me com FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos. Que decepção! Na verdade, seria cômico se não fosse trágico. Afinal, os banqueiros estariam saindo de sua conhecida postura defensiva e passando a oferecer “uma proposta ao governo, ao Congresso, ao Judiciário e à ”. Esse era o subtítulo do livro.

Estranho e interessante. O presidente da entidade é Murilo Portugal. O economista ocupa o cargo desde 2011, tendo já passagens pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Antes disso, havia sido o chefe da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) durante o governo FHC e Secretário Executivo do Ministério da Fazenda com Antonio Palocci. Em suma, um exemplo perfeito de como são habilmente construídas essas relações incestuosas entre os espaços de interesse do capital privado e o setor público em nosso País.

A história de juros elevadíssimos por essas praias é bem antiga. Tanto pela política monetária criminosa de manter o taxa oficial de juros na estratosfera, bem como pela prática de “spreads” também gigantescos. Um dos aspectos mais intrigantes de nosso arranjo institucional refere-se à capacidade de sobrevida tão longa desse modelo espoliador do conjunto da sociedade em benefício de um grupo reduzidíssimo de privilegiados.

A grande maioria dos despossuídos sempre protestou, mas seus gritos não foram jamais acolhidos pelos tomadores de decisões. Até mesmo representantes do capital dito “produtivo” também espernearam em alguns períodos. Talvez o mais emblemático tenha sido José de Alencar, o vice presidente durante os dois mandatos de , que saía praticamente todas as semanas a criticar os juros exorbitantes, sempre bem assegurados por Henrique Meirelles na presidência do Banco Central (BC).

O singelo livro da FEBRABAN

Mas o fato concreto é que nunca – repito: nunca! – o órgão regulador do sistema financeiro ousou estabelecer regras mínimas para evitar esse verdadeiro descalabro, desde sempre praticado pela banca contra o restante da sociedade. A eterna desculpa do povo do financismo era de que o “spread” tupiniquim era assim tão elevado por conta do chamado “custo Brasil”. E dá-lhe desculpas esfarrapadas como inadimplência, estrutura tributação e outros elementos que não chegam a explicar a enormidade dos ganhos do capital financeiro por aqui.

E então o dirigente da FEBRABAN ensaia um arrazoado de ideias, logo no início da apresentação do livro:

(…) “Todas as vezes que o debate sobre juros resvala para o campo ideológico, a sociedade acaba pagando e os problemas não são resolvidos, seja no Brasil, seja em outros países. É por isso que neste livro propomos um debate essencialmente técnico.” (…) (GN)

Esse costuma ser, na maioria das vezes, o anteparo dos representantes da banca quando se trata de trazer alguma luz para seus ganhos incomensuráveis e privilégios vergonhosos. Cercam-se da suposta intangibilidade do debate para os leigos, tarefa que caberia apenas aos entendidos e especialistas. Assim, toda e qualquer tentativa de evidenciar o absurdo da desigualdade presente nessa prática do sistema financeiro é imediatamente taxada de “ideológica”.

Essa foi a tônica do massacre a que foi submetida Dilma Rousseff, por exemplo, quando tentou orientar os bancos oficiais federais a baixarem seu “spread”. A reação do mercado era de que não se poderia reduzir esses ganhos “na marra”.

Mas o livro não resiste a uma mais acurada. A abordagem supostamente “técnica” busca confrontar os números da realidade para evitar aquilo que até mesmo o senso comum evidencia com toda a clareza. Ora, é mais do óbvio que os juros por aqui são altos!

Uma das principais razões para tanto reside no fato da estrutura de nosso mercado bancário ser bastante oligopolizada, com poucos e enormes mastodontes atuando de forma concertada e sem concorrência de fato. O documento parece subestimar a inteligência e o conhecimento do leitor, negando essa realidade.

(…) “Uma investigação mais atenta mostra a existência de concorrência entre os bancos.” (…) (GN)

A realidade paralela na visão financista

Outro argumento sempre levantado pelo financismo é o da inadimplência. Como se a ausência de cumprimento das obrigações por parte de indivíduos, famílias e empresas por aqui fosse muito mais alta do que na média dos demais países. Isso não é verdade. Até porque as punições são bastante rígidas para quem não honrar os compromissos, em especial para os pequenos devedores que não têm para onde correr. Mas o documento dos banqueiros entende isso de outra maneira. Chega a dar pena de como eles são “obrigados” a cobrar spreads elevados:

(…) “Para compensar a perda com a inadimplência e os custos associados a ela, os bancos são levados a cobrar taxas de juros maiores de todos os tomadores, indistintamente. Na prática, aqueles que pagam seus empréstimos em dia acabam sendo levados a pagar também por devedores que não o fazem” (…)

Finalmente, sobram as eternas reclamações contra os custos trabalhistas e o impacto dos tributos. E dá-lhe o conhecido chororô, mas que nem de longe serve como justificativa para os altos “spreads”.

(…) “Outra grande fonte de custos é a questão trabalhista (…) Não é de admirar, portanto, que as provisões para ações trabalhistas dos bancos brasileiros se encontrem entre as mais altas do ” (…)

(…) “A elevada tributação da intermediação financeira no Brasil é uma jabuticaba amarga (…) Os impostos cobrados sobre os lucros no país pesam bem mais do que os recolhidos pelas instituições financeiras em países desenvolvidos” (…)

O essencial a reter é que talvez os banqueiros tenham percebido que a situação esteja mesmo chegando ao limite do insustentável. Assim, para evitar que seus benefícios sejam, de alguma forma, reduzidos em algum momento mais à frente, eles agora tentam se antecipar ao debate e apresentam algumas propostas tímidas.

Banca tenta sair da defensiva.

Trata-se de uma estratégia inteligente. Aproveitam-se, mais uma vez, da presença de um simpatizante de suas causas ocupando o posto de czar da economia para evitar que eventual reestruturação desse verdadeiro “pacto em prol das finanças” lhes seja muito prejudicial. Ao perceberem a consolidação de um sentimento generalizado da população contra a prática predatória da banca, os autores do documento já avançam no debate sobre uma eventual reforma tributária que venha a chamar o setor a pagar, de fato, alguma coisa nesse modelo regressivo de nossos impostos. Vestem a carapuça de privilegiados, mas não convencem ninguém de que impostos específicos sobre os ganhos excessivos do financismo venham a causar “ineficiência sistêmica”.

(…) “Uma taxação discriminatória a um setor gera ineficiência na alocação de recursos na economia. Desestimula novos investidores a entrar no setor que é mais taxado e dificulta as empresas pequenas que já operam naquele setor a crescer mais rápido. A tributação discriminatória pode estimular a concentração ao funcionar como um desincentivo ou barreira de entrada de novas empresas ou de crescimento das empresas médias já atuantes no setor.” (…) (GN)

Oferecer um livro para os formadores de opinião que frequentam as livrarias em nosso País pode eventualmente ajudar nessa disputa de narrativa a respeito de quais devam ser as funções das instituições financeiras em uma sociedade tão desigual. A maioria da população está obrigatoriamente imersa nesse processo crescente de financeirização da vida das pessoas e das empresas. Mas ninguém quase nunca viu os bancos apresentando algum resultado anual de suas contas com prejuízo. Pelo contrário, os lucros são rotineiramente bilionários.

Enfim, o debate está lançado e pode avançar. O fundamental é que os juros baixem, os spreads sejam reduzidos e que os bancos ofereçam, finalmente, um mínimo de contribuição para a superação de nossa crise fiscal.

Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal

Fonte: Carta Maior


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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