Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.
guajajaras

MULHERES GUAJAJARA: GUERREIRAS DA FLORESTA

Mulheres Guajajara: Guerreiras da Floresta

Há cinco anos um grupo de 32 atua na defesa da terra e na preservação da cultura na TI Caru, no Maranhão

Por Erisvan Guajajara/Amazônia Real
Bom Jardim (MA) – “A mata, para nós, é como se fosse a nossa vida. Protegemos como a nossa mãe. Dependemos dela para manter nossas tradições culturais”. Usando um cocar que caracteriza a viva de um povo que resiste há 518 anos de violações de direitos, Marcilene Guajajara faz essa afirmação. Ela é a atual coordenadora da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima). Marcilene fala com clareza sobre a importância da defesa da terra para os povos indígenas, como parte das Guerreiras da Floresta, um grupo de mulheres que atua em defesa do meio ambiente na aldeia Maçaranduba, na Terra Indígena (TI) Caru, no estado do Maranhão.
Temos uma missão muito importante. Estamos mostrando a força da dentro dos espaços de poder. E, juntas, podemos somar na luta, protegendo nosso território, mostrando que podemos ser protagonistas da nossa própria história”, ressalta a coordenadora Marcilene.
O da defesa territorial da Terra Indígena Caru, que possui 173 mil hectares  e está homologada desde 1982, é uma batalha que vem sendo enfrentada há anos pelos Guardiões da Floresta, um grupo de homens que há mais tempo vêm realizando a proteção e defesa do território indígena. No território vivem os povos Guajajara e Awá Guajá.
Para somar nessa luta, em 2014, surgiu o grupo das Guerreiras da Floresta, formado por 32 mulheres do povo Guajajara, que atua junto ao grupo dos guardiões, na defesa da terra e na preservação da sua cultura.
Esse grupo de mulheres tem como objetivo fortalecer a luta em defesa da Mãe Terra, juntamente com os guardiões homens, combatendo a entrada de madeireiros, caçadores e “tiradores” de estaca, na defesa das terras e do rio Pindaré. Esse rio passa pela aldeia Maçaranduba e, também vem enfrentando todo tipo de ameaça que atinge a mata, considerada sagrada pelos povos que ali habitam.

Ocupando os espaços de fala

guajajaras
As Guerreiras Guajajara (Foto Erisvan Guajajara/Amazônia Real)

No começo, as guerreiras tiveram grandes dificuldades pela aceitação do grupo nas tomadas de decisões dentro da aldeia. Mas com muito empenho, garra e coragem, elas conseguiram ocupar os espaços de discussão dentro da comunidade. Representando o empoderamento da mulher indígena, elas “enfrentaram muitos obstáculos com falta de equipamentos e instrumentos para atuar juntos aos guardiões”, afirma dona Raimunda, que faz parte do grupo há cinco anos.

Raimunda, é uma das coordenadoras do grupo das guerreiras, e relata: “No começo foi difícil pra gente. Levávamos nossa comida em uma bolsa nas costas, fazíamos todo o percurso a pé, cavávamos um poço pra poder banhar e beber água, mas nunca desistimos, pois defender as nossas florestas, nossos frutos, nossas caças, sempre foi nossa missão. A mata, pra nós, é sagrada e tudo que precisamos encontramos nela”.

Devido à grande invasão na mata, o trabalho das guerreiras foi muito forte nos 16 povoados da Terra Indígena Caru . Nos três municípios que rodeiam a terra indígena – Alto Alegre do Pindaré, Bom Jardim e São João do Caru – as mulheres foram às escolas e promoveram um debate de conscientização para a população, falando sobre a importância da mata para os povos indígenas.
Explicavam como seriam prejudicados se os não indígenas continuassem entrando em seu território e destruindo suas riquezas naturais. Foi então que as pessoas passaram a conhecer a importância da preservação das terras e da cultura do povo Guajajara e passaram a respeitar as tradições culturais desse povo. Com isso, e com a ajuda das guardiãs, foi diminuindo a exploração dentro do território.
“A vontade de defender nosso território corre em minhas veias. Já cheguei a levar minha filha, ainda criança, para uma ação. Ela ficou durante uma semana comigo na mata. Dormíamos no chão, mas a nossa resistência é que nos mantém forte para a luta”. Com essa fala de autonomia, Maísa Guajajara, que também é uma das coordenadoras da equipe, deixa claro que a terra é a vida dos povos e que sem ela não é possível sobreviver. Levar sua filha para uma missão é mostrar que a luta tende a ser continuada pelas futuras gerações, e o preparo das novas guerreiras começa ainda na infância.

Combate aos ilícitos

guajajaras
Guerreiras junto com os guardiões combatem a plantação de maconha (Foto: Erisvan Guajajara/Amazônia Real)
 
Em 2017, o Maranhão teve o pior índice de queimadas em seis anos, com 18 mil focos. As terras indígenas também foram atingidas e o trabalho das guerreiras, junto aos os guardiões, foi de grande importância para eliminar o fogo que tomava conta do território que precisava ser protegido.

Os Guajajara dependem da mata para manter suas tradições culturais sociais e ambientais. É dela que tiram sua sobrevivência e por isso praticam a alimentar, preservando a floresta para as futuras gerações.

Quando as guerreiras vão para missão e encontram madeireiros ou caçadores dentro da terra, elas explicam para eles a importância da para a vida dos indígenas e pedem para eles não entrarem mais na mata. Qualquer objeto que possa ameaçar a natureza é retirado deles sem nenhum tipo de agressão, como afirma Rosilene Guajajara, que também faz parte da equipe.

“O território em que vivemos é de uso exclusivo dos povos indígenas. Nenhuma pessoa pode chegar [aqui] e entrar para explorar as riquezas que a terra possui. Quando estamos em missão e encontramos alguém desmatando nosso espaço sagrado, pegamos os pertences que são usados para retirada de madeiras e alertamos para que o mesmo não se repita: tudo [é feito] com diálogo, sem nenhum tipo de agressão”.
As guerreiras estão planejando a realização de três seminários de integração nos povoados, falando, principalmente, da importância do rio para comunidade. Elas explicam para as pessoas que é necessário ter conscientização para ajudar a manter o rio vivo, pois acreditam que não adianta só os indígenas atuarem na defesa daquele território. O rio limpo e protegido fará bem para todos. Reforçar a importância de preservar a mata também será tema discutido durante o seminário.
Há dois meses, as Guerreiras da Floresta, juntamente com os Guardiões da Floresta, fizeram uma ação no território e encontraram plantações de maconha feitas por não indígenas. Os invasores plantam a erva e fazem a venda do produto para fora do estado. As guerreiras e os guardiões cortaram todo o plantio e tocaram fogo em tudo, impedindo que o produto fosse comercializado. Eles pedem, urgentemente, uma fiscalização mais rígida das autoridades cabíveis para apurar o caso.

Continuidade com os filhos

guajajaras
Guerreiras Guajajara pintando Andressa (Foto: Erisvan Guajajara/Amazônia Real)

Cícera Guajajara fala o quanto é importante o trabalho de proteção da terra para as . “A primeira coisa que você tem que ter pra ser uma guerreira, é ter pelo seu território, pela sua comunidade e pela causa, pois essa luta não é fácil. Sempre conversarmos e respeitamos os mais velhos.

Antes de qualquer missão, ouvimos sempre nosso cacique, que é uma grande liderança, e que muito combateu a entrada de madeireiros na nossa terra e em toda região. Toda essa luta é pelas nossas crianças e nossos jovens. Quando a gente não tiver mais forças, eles [os filhos] vão dar continuidade nesse trabalho de proteção da nossa mãe terra”. Cícera fala ainda que quando saem de casa para uma ação, sempre têm o pensamento do que irão encontrar pela frente.

“Quando vamos para a mata compramos alimentação para deixar para nossos filhos em casa e vamos com aquela sensação de perigo, sem saber os riscos que nos esperam. Vamos sem saber se voltamos para casa”, diz Cícera.

Hoje, graças a muito esforço e coragem, as guerreiras são reconhecidas pelo seu trabalho e servem de exemplo dentro e fora do estado do Maranhão. Elas já possuem transporte, equipamentos e todo tipo de proteção que precisam para atuar em campo.

Paulinha Guajajara cuida da comunicação. Com câmera fotográfica e drone, ela registra tudo que acontece durante a ação, e afirma a importância de ter todo material guardado para mostrar, principalmente na aldeia, o trabalho que é feito pelos guardiões e pelas guerreiras.

É muito bom a gente fotografar e filmar tudo que encontramos no caminho, para quando retornarmos para nossa aldeia, mostrar para todas as lideranças como [é] que está a nossa mata, o quanto estão desmatando. E assim também eles conhecem como que é o nosso trabalho quando estamos em missão”, afirma Paulinha.

A mata é essencial para a vida dos povos indígenas e para todo o . É por causa dela que ainda sobrevivemos até hoje, porque ela garante o ar puro que respiramos; a água que bebemos, e é a nossa fonte de . Por isso, a resistência dos povos indígenas continua, pois salvar o pouco do verde que ainda possuem nos territórios é uma missão que eles estão dispostos a enfrentar. Assim, eles continuam lutando e ensinando a nova geração como se integrar nessa luta, para que a terra seja preservada para todos, envolvendo as crianças indígenas, negras e brancas para que se tornem aliadas nessa luta.
Veja a entrevista em vídeo:

Esta reportagem faz parte do projeto Olhando por Dentro da Floresta Amazônica, da Amazônia Real, e conta com o apoio da Aliança pelo Clima e Uso da Terra – CLUA – para ampliar a cobertura jornalística sobre temas como a invisibilidade das violações de direitos socioambientais dos povos tradicionais da região amazônica.
Fonte: Amazônia Real

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA