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FRAUDE EM MERCADO

FRAUDE EM MERCADO DE CARBONO GRILOU 500 MIL HA DE TERRAS 

Fraude em Mercado de grilou 500 mil hectares de terras no sul do  

Empresários presos em operação da Polícia Federal que investigou fraudes em mercado de crédito de carbono em áreas do sul do Amazonas grilaram (apropriação ilegal) ao menos 530 mil hectares de terras públicas pertencentes à União

Por Leanderson Lima/ Real 

O valor da área é estimado em R$ 800 milhões. Os dados são resultados da investigação da PF denominada Greenwashing. O nome da operação refere-se a uma prática de empresas que mascaram irregularidades com supostos benefícios sustentáveis, conhecida como “lavagem verde”.

“A gente efetuou o bloqueio dessas áreas. E vamos trazer de volta para o patrimônio da União. E dos planos de manejo, a gente verificou todos que foram feitos em cima das áreas que eles teriam fraudado e identificou que teria sido mais de um milhão de metros cúbicos de madeira, que o valor venal pericialmente foi calculado em 600 milhões também”, disse à Amazônia Real o delegado Thiago Scarpellini, que comandou a Operação Greenwashing no início de junho.

Segundo o delegado, a atividade ilegal no sul no Amazonas rendeu para a organização criminosa revelada na Operação Greenwashing pelo menos R$ 120 milhões. O cálculo foi feito com base nas informações levantadas pela Polícia Federal no site da certificadora internacional de crédito de carbono Verra.

A investigação da PF levou à prisão dos empresários Ricardo Stoppe Júnior, Élcio Aparecido Moço, José Luiz Capelasso, Ricardo Villares Lot Stoppe e Poliana Heloísa da Silva Capelasso. A empresária Poliana conseguiu um habeas corpus, enquanto os outros quatro suspeitos continuam presos. Segundo o delegado, Poliana conseguiu ir para prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, por ser mãe e ter dois filhos pequenos. 

De acordo com matéria da Folha de S. Paulo, a intenção dos criminosos era alcançar um total de 3,5 milhões de hectares em seis cidades do Amazonas.

GRILAGEM EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO 

Conforme a investigação da Polícia Federal, os integrantes da organização criminosa (ORCRIM) atuavam essencialmente na chamada grilagem jurídico-administrativa, gerando matrículas viciadas e nulas dentro de terras públicas da União.

A partir das áreas griladas, ainda segundo a investigação, a organização criminosa elaborava projetos de crédito de carbono. Por meio de certificadoras internacionais que não verificavam a cadeia dominial dessas terras, o grupo venderia créditos de carbono, utilizando de forma indevida os Planos de Manejo Florestais (PMFs), criando gado “fantasma”, além de buscar “implementar outras atividades lucrativas”.

“As regiões onde eles fraudaram documentações são regiões extremamente pobres, que carecem do apoio estatal. Quando eles se apresentavam lá, chegavam como se fossem empresários que iriam revolucionar a área, que iam trazer benefícios e no primeiro momento até eles ajudavam a região com pequenas benfeitorias. Os moradores acreditavam que poderia ter uma mudança de vida, mas que nunca chegava”, conta Scarpellini à Amazônia Real.

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Foto: Divulgação / Semas

Os suspeitos agiam na Floresta Nacional (Flona) do Iquiri, que é uma unidade de conservação federal sob gestão do Instituto de Conservação da (ICMBio). A floresta fica no sul do Amazonas, dentro do município de Lábrea, na divisa com Rondônia e Acre. Esta é uma das áreas de maior pressão de , de , e tem uma história longa de grilagem de terras.

A Flona do Iquiri tem uma área de aproximadamente 1,47 milhão de hectares, sendo que aproximadamente 883 mil, segundo o governo federal, podem ser destinados ao manejo empresarial. 

“Boa parte das áreas que eles pegavam estavam dentro da Floresta Nacional, onde não tinha ninguém morando. Mas tinham pessoas que moravam limítrofes, circunvizinhas ali.  Eles prometiam uma melhoria e não traziam. A busca deles era pelo lucro. No início, faziam umas reuniões para tirar umas fotos, fazer um vídeo [tudo para] aparentar que iriam ajudar a região e depois aquilo lá só ficava apenas como recordação”, descreve o delegado. 

Após a deflagração da operação, a Verra  suspendeu temporariamente a conta relacionada ao Projeto REDD+ Unitor (Projeto Verra 2508), Projeto REDD Fortaleza Ituxi (Projeto Verra 1654) e Projeto REDD+ Evergreen (Projeto Verra 2539), projetos com envolvimento dos suspeitos presos pela PF, e que levam os nomes das empresas dos envolvidos.

Ricardo Stoppe Júnior, considerado o mentor intelectual do grupo, segundo a Justiça Federal, é dono da empresa Ituxi Administração e Participação Ltda. Os demais são considerados sócios de Ricardo. Élcio Aparecido Moço também é proprietário da empresa Agropecuária 3 Barras Ltda. Ricardo é médico e natural de São Paulo e se apresentava como fazendeiro. 

A Verra atua em escala global e é uma certificadora de Créditos de Carbono. E uma certificadora tem a função de avaliar se, de fato, um projeto está retirando ou reduzindo gases do chamado efeito estufa.

Uma vez que a certificadora confirma que um determinado projeto está cumprindo com as exigências, expede-se o Verified Carbon Standard (VCS) – Padrão de Carbono Verificado, em tradução livre).

O mercado de crédito carbono funciona em um sistema de negociação entre empresas ou governos que têm como objetivo reduzir a emissão dos gases que causam o chamado efeito estufa.

A medida para a negociação é a tonelada de dióxido de carbono equivalente, ou seja, cada crédito de carbono corresponde a 1 t CO² que deixou de ser emitido na atmosfera. 

Este mercado se originou a partir da criação do Protocolo de Kyoto, que foi um acordo ambiental fechado durante Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Kyoto, Japão, em 1997. Entre as metas, o protocolo estabelecia a redução de 5,2%, em relação a 1990, na emissão de poluentes, principalmente por parte dos países industrializados. 

Em síntese, se uma empresa ou projeto deixa de emitir gases do efeito estufa, ela pode transformar isso em crédito de carbono. E uma vez que sejam devidamente certificados, esses créditos podem ser negociados no mercado.

SERVIDORES PÚBLICOS 

A investigação aponta para o envolvimento de servidores públicos que atuam em órgãos estaduais e federais responsáveis por regularização fundiária e licenciamento ambiental, além dos cartórios extrajudiciais. Uma das suspeitas apontadas pela investigação é a tabeliã do Cartório de Lábrea, Luciana da Cruz Barroncas.  

No último dia 23 de março, o corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes, comandou uma correição extraordinária, que resultou no afastamento temporário de Barroncas sob acusação de “indícios de omissão de atendimento às solicitações de instituições públicas, dentre elas, o Incra”. 

De acordo com a Corregedoria, a investigação busca apurar as atividades da tabeliã, como fiscalizar e analisar os documentos públicos em poder do cartório. Luciana da Cruz Barroncas já havia entrado na “alça de mira” da corregedoria do Tribunal de Justiça do Amazonas no episódio da disputa de terras onde se localiza a Fazenda Palotina e a comunidade rural , em Lábrea.

Durante a visita da Corregedoria de Justiça do Amazonas, descobriu-se que pelo menos duas páginas foram arrancadas do documento registrado no Cartório Extrajudicial da Comarca de Lábrea (distante 703 quilômetros de ), justamente do documento onde deveria constar a cadeia dominial da fazenda Palotina, que é considerada pelo Incra como terra devoluta.

Conforme consta na decisão judicial da operação Greenwashing, a PF descobriu o envolvimento dos funcionários públicos por meio de análises documentais, telemáticas e financeiras. Tudo era viabilizado a partir do pagamento de propinas.

“O grupo atuaria em conluio com servidores públicos de diversos órgãos de regularização fundiária, licenciamento ambiental e cartórios extrajudiciais, efetuando pagamentos aos agentes públicos para viabilizar a grilagem de terras públicas e outros registros em bases de dados governamentais, o que teria sido demonstrado através de análises documentais, telemáticas e financeiras”, diz trecho da decisão da juíza federal Maria Elisa Andrade, que determinou a prisão dos empresários, do dia 29 de maio de 2024.

E a região escolhida pelo grupo para o golpe? “Sul do Amazonas, em especial [nos municípios de] Lábrea e Apuí”, conforme o delegado Thiago Scarpellini. Segundo o delegado, os suspeitos tinham uma aparência de serem empresários sérios e bem sucedidos. À Amazônia Real, o delegado não mencionou quais os órgãos tiveram participação na fraude. (…). 

BENS DE ALTO VALOR 

De acordo com o delegado, durante a operação, chamaram atenção os bens materiais e o poder aquisitivo dos empresários, considerados altos. “Aviões, lanchas, dezenas de carros de valores elevados. As casas que também foram sequestradas também têm um padrão muito elevado. Ali nem nós acreditávamos nisso”, revelou.

Depois da deflagração da operação, a Polícia Federal tem um vasto material para analisar. “Só de celular apreendido foram quase 50 celulares, então vai demandar um esforço nosso aqui e um período mínimo para que a gente consiga fazer toda essa análise, mas não tem sombra de dúvida que os crimes foram cometidos pelos atores que a gente tem como investigados”, pontua Scarpellini.

A lista de crimes, que teriam sido cometidos pela quadrilha, é grande. Vai de fraude documental, falsidade documental e ideológica entre outros.  “Não foi cometido uma vez, foram cometidos várias vezes, em cada área deles, eles cometeram o crime uma ou duas vezes”, explica Scarpellini. Segundo ele, os principais investigados cometeram crimes que, juntos, superam 50 anos de prisão.

A reportagem da Amazônia Real entrou em contato com os advogados de Ricardo Stoppe Júnior, Élcio Aparecido Moço, José Luiz Capelasso, Ricardo Villares Lot Stoppe para que comentassem as acusações da Polícia Federal, até a publicação da reportagem, não houve retorno. A reportagem não conseguiu contato com os representantes de Poliana Heloísa da Silva Capelasso. 

Procurado, o Ministério Público Federal no Amazonas informou à reportagem que há cinco inquéritos civis em andamento que apuram temas de crédito de carbono sobre territórios indígenas e tradicionais. Um sexto inquérito civil acompanha o tema de NFT, com conexões ao tema de financeirização da natureza. NFT é a sigla em inglês para os chamados “tokens não fungíveis”, que são criptoativos de arquivos digitais de alto valor.

Amazônia Real questionou sobre a situação dos projetos, atualmente, e se após a operação a certificadora Verra pretende fazer alguma modificação em seu processo de certificação. 

A Verra respondeu dizendo que os projetos listados foram colocados “em espera” enquanto se aguarda uma revisão formal da própria VERRA. “Durante o processo de revisão, Verra não faz nenhum comentário sobre os projetos, de modo a influenciar indevidamente a revisão”, finalizou.

Leanderson Lima – Jornalista. Excertos da matéria publicada no site Amazônia Real.  Edição feita pela redação da por limitação de espaço. Veja a matéria completa em https://amazoniareal.com.br/fraude-de-mercado-de-carbono/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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