Governantes do Acre querem destruir a história de Chico Mendes

Governantes do Acre querem destruir a história de Chico Mendes

“Governantes do querem destruir a história de Chico Mendes”, diz filha do líder seringueiro

Além de monumento, casa do ambientalista em Xapuri sofre com a deterioração desde 2019; reserva extrativista tem níveis recordes de desmatamento e (Foto cedida por Juan Diaz)
Por Fabio Pontes/via Amazonia Real
A estátua do líder seringueiro Chico Mendes foi arrancada da base e  jogada ao chão da Praça Povos da Floresta na sexta-feira (1º), no centro de Rio Branco (AC). A cena de vandalismo contra o patrimônio público representa o desrespeito à história do Acre e também a consolidação do desmonte da política de proteção da promovida pelo governador bolsonarista Gladson Cameli (Progressistas). Essa é a análise feita pela coordenadora do Comitê Chico Mendes e filha do ambientalista, Ângela Mendes. 
Além da estátua, a casa em madeira onde Chico Mendes viveu e foi assassinado, em 1988, na cidade de Xapuri, sofre com o abandono e a deterioração desde a chegada de Cameli ao governo do Acre, em 2019.
Para Ângela Mendes, há uma clara tentativa dos atuais governantes acreanos de destruir toda a história de vida e de protagonizada por seu pai e outros seringueiros em defesa da floresta na década de 1980. Até mesmo manifestações artísticas com representações de Chico Mendes foram censuradas pelo governo Cameli. Foi o caso de um grafite com a representação de seu rosto feito numa das paredes do Mercado dos Colonos, a poucos metros de onde ficava a estátua. A arte foi apagada de forma arbitrária, com  tinta azul.
“Desde que assumiu, o governo caminha de acordo com os interesses do , dos grandes fazendeiros. Isso consolida o descaso do governo com a nossa cultura, com a nossa história, com a de toda essa luta dos povos da floresta, liderada pelo meu pai e que repercutiu em todo o mundo”, afirma Ângela. 
Testemunha das mobilizações políticas organizadas por Chico Mendes, o ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT) se manifestou sobre o episódio da destruição da estátua do líder seringueiro. “Assassinaram Chico Mendes e isso não matou suas ideias. Os que vandalizaram sua estátua em Rio Branco também tentam apagar a sua memória, mas também não terão sucesso”, escreveu o petista no Twitter. 
Como destaca a filha, Chico Mendes é o nome do Acre mais conhecido no Brasil e exterior, um símbolo mundial em defesa das causas ambientais. “Os três governos, nas três esferas, estão alinhados no projeto de desmonte não só da política ambiental, mas também de tudo aquilo que o meu pai representou para essa política de meio ambiente, para que o Brasil fosse, em tempos passados, referência nesta pauta ambiental”, ressalta Ângela. 
Na análise dela, enquanto o governo federal de Jair Bolsonaro (PL) atua para destruir a política de do país, no plano local os governos estadual e municipal trabalham em conjunto para destruir a história e o legado de Chico Mendes. “Hoje nós entendemos, mais do que nunca, que isso faz parte de um projeto. A destruição da estátua do meu pai pode até ter sido um ato de vandalismo, mas acima de tudo ela está  inserida dentro desse projeto de apagar a história que ele representa”, ressalta. 
Instalada no coração da capital acreana desde 2003, a estátua de Chico Mendes foi esculpida no tamanho real do homenageado e já vinha sofrendo com o descaso há algum tempo. A homenagem original era do líder seringueiro de mãos dadas com seu filho pequeno. A estátua da criança foi roubada e nunca recuperada. O governo também não colocou outra no lugar. Desta vez, a imagem do líder seringueiro foi a vítima, ficando o fim de semana todo abandonada no chão aos olhos de todos. 
Na noite de domingo (3), um protesto liderado por Ângela foi organizado no local. Com velas e cartazes, os manifestantes pediram para que o monumento fosse restaurado e devolvido ao lugar. A Praça Povos da Floresta está localizada em frente ao Palácio Rio Branco, sede do governo acreano, e ao lado da Assembleia Legislativa. Tanto a praça como a estátua foram construídas durante o chamado “governo da floresta” (1999-2006), liderado pelo petista Jorge Viana.   
Após 20 anos de gestões do PT no Acre – partido que teve como um dos fundadores justamente Chico Mendes – o bolsonarismo tomou conta das urnas no processo eleitoral de 2018. Dessa forma, a direita acreana, que detinha a hegemonia política do estado na época do assassinato de líderes seringueiros como Chico Mendes e Wilson Pinheiro, voltou aos espaços de comando com “novas caras”, representadas por Gladson Cameli, cujo tio, Orleir Cameli, já havia sido governador entre 1995 e 1998. 

Devastação da floresta
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Gladson Cameli em evento no Acre em 2019 com a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina
(Foto: Odair Leal/Secom AC)

Uma das principais bandeiras de campanha do governador foi desburocratizar a legislação ambiental do Estado para fazer do agronegócio o carro-chefe da local. Desde então, o Acre registra níveis recordes em suas taxas de desmatamento e queimadas. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2021 o estado registrou a maior taxa de devastação da Amazônia nos últimos 18 anos: 889 km2
Em 2020 foram 706 km2, ante outros 682 km2 registrados em 2019. No ano eleitoral de 2018, o Acre devastou 444 km2 de floresta. No ano anterior tinham sido 257 km2. Paralelamente ao desmatamento, o Estado também tem elevação na quantidade de focos de na floresta. Segundo o Programa Queimadas,  do Inpe, no ano passado foram 8.828 focos. Em 2020 foram 9.193. O ano de 2019 teve a quantidade de 6.802 focos de queimada.
No estado, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes está entre as áreas mais atingidas pelo fogo. Por sinal, ela ocupa as primeiras posições entre as unidades de mais atingidas pelas queimadas. Em 2019, a UC ficou em segundo lugar no registro de focos: 861. 
Em 2020, a reserva idealizada pelo líder seringueiro ocupou a primeira posição do ranking do fogo entre as áreas protegidas da Amazônia Legal: 1.127 focos. Ainda segundo dados do Inpe, desde 2008 a Resex Chico Mendes teve desmatados 387 km2 de sua cobertura; ela é a quinta unidade de conservação mais devastada da Amazônia no período.   

O que dizem as autoridades

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Monumento vandalizado na Praça em Rio Branco (Foto cedida por Juan Diaz)

Responsável pela manutenção da Praça Povos da Floresta, o governo do Acre afirmou que, tão logo teve conhecimento do ataque à estátua de Chico Mendes, a Polícia Civil foi acionada para iniciar as investigações e, assim, identificar os responsáveis. Segundo o governo, a estátua e o espaço onde estava localizada serão recuperados. Ainda essa semana, segundo a assessoria de imprensa, o monumento deve ser reinstalado. 
Sobre a situação da casa de Chico Mendes em Xapuri, o governo afirma que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já tem projeto para a revitalização, faltando apenas a autorização dos herdeiros do líder seringueiro para o início das atividades. A casa de Chico está tombada tanto pelo patrimônio público estadual como pelo Iphan. 

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Casa de Chico Mendes abandonada
(Foto: Reprodução Twitter de Eldérico Silva março de 22)

http://xapuri.info/olhos-de-ressaca/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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