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O Covid levou Carlos Terena, imprescindível líder indígena

O Covid levou Carlos Terena, imprescindível líder indígena

“Sempre tive o sonho de reunir as diversas Nações Indígenas do mundo… Vivi, lutei e consegui!” Carlos Justino Terena
Por Zezé Weiss
 
Na tarde do dia 29 de setembro de 2006, por conta de um TCAS desligado em um avião Legacy 600, o voo Gol 1907, que vinha de para Brasília, colidiu no ar e caiu numa área de densa da Serra do Cachimbo, no Mato Grosso, deixando 154 mortos, dentre eles meu amigo e companheiro de trabalho no Banco Mundial, Ricardo Tarifa. 
 
Nos dias de choque que se seguiram, Marcos Terena e Carlos Terena foram os amigos que seguraram e não soltaram a minha mão. Os três trabalhamos juntos na cerimônia indígena que fizemos – família, amigos e colegas –  para o Tarifa no Jardim Botânico de Brasília. Carlos, entretanto, na verdade foi quem cuidou de tudo: mobilizou as lideranças Karajá, providenciou a logística, organizou o ritual. 
 
Eu sempre quis tomar um café com o Carlos Terena pra dizer a ele do quanto aquele gesto solidário marcou a minha vida. Mas o tempo vai passando, os cafés vão ficando pra depois e, de uma hora pra outra,  vem um Covid desses e leva os amigos da gente, sem a chance de pelo menos um abraço de despedida. Assim foi com Carlos Terena, esse maldito vírus o levou precocemente, aos 66 anos, para o mundo de seus ancestrais. 
 
 A notícia veio em nota do Marcos Terena na noite deste sábado, 12 de junho: 
 
Como entender a magia da Criação… ?
Meu irmão Carlos Terena acaba de partir para o campo eterno dos nossos Antepassados… Foi levado por essa praga COVID19…. depois de 17 dias hospitalizado….
Obrigado ao Grande Criador nosso Ituko-Ovity, pela existência dele junto a nós… seu jeito de ser, de aconselhar e também pela sabedoria e preocupação com os Povos Indígenas…. Era desenhista desde as logos e formas de fazer nossas atividades…
Agora foi se encontrar com Tabata, Joãozinho , Meu Pai, Meu irmão Samuel e caminhar entre as estrelas..
Era um Pajé e visionário pois sabia que seu tempo havia chegado…
Obrigado a todos que oraram por ele. pela equipe médica…
Obrigado ao Grande Criador!
Meu Irmão partiu….
 
Pode ser uma imagem de 1 pessoa, árvore e ao ar livre
 
E é também do Marcos Terena que vem a sobre os funerais: 
 
Haverá uma cerimônia de despedida ao Carlos Justino Terena, amanhã, segunda-feira [14/06]
Campo da , Asa Sul, [Brasília]
Templo Ecumênico II
Velório: A partir das 12h
Sepultamento: 14h
 
Assim, numa manhã de inverno, o de Carlos Justino Terena, o idealizador e coordenador dos Jogos dos Povos Indígenas, pela primeira vez sediados em Palmas-TO, entre  23 de outubro e 1º de novembro de 2015, o grande líder Terena, que passou por este mundo lutando em defesa de seu e dos povos originários do Brasil, baixa à não pelo desenrolar natural existência humana, mas pela omissão genocida de um governo negacionista que despreza a vida. Tivéssemos vacina, Carlos Terena não teria partido assim, tão cedo.
 
Para o grande povo Terena, que tem sofrido tantas perdas por essa doença, para o meu amigo Marcos e para toda a família Terena, o meu abraço indignado e solidário. Para Carlos, a minha gratidão, sempre! 

Pode ser uma imagem em preto e branco de 4 pessoas, pessoas em pé e ao ar livre
Fotos internas e de capa das páginas de Carlos e Marcos Terena no Facebook.
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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