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Indígenas formam aliança anti-garimpo inédita na Amazônia

Indígenas se mobilizam contra o PL 191 em aliança inédita anti-garimpo na

Os povos Kayapó, Munduruku e Yanomami estão unidos em uma aliança inédita pela proteção de seus territórios do garimpo ilegal e se mobilizam para barrar o de lei 191/2020, que pretende regulamentar a mineração nos territórios.

Por Fernanda Ribeiro/ISA
Juntos e juntas, as lideranças definem ações e estratégias e combater a destruição provocada pela invasão da atividade ilegal, que destrói a amazônica, envenena os rios, cria conflitos e ameaça a vida das futuras gerações.
A Aliança em Defesa dos Territórios foi oficialmente criada em dezembro de 2021, em um evento em Brasília (DF) que reuniu 25 lideranças dos três povos. Mesmo antes do PL 191 ser colocado em regime de urgência para votação, o encontro já alertava para o momento dramático e urgente na Amazônia, que concentra atualmente 93,7% da atividade garimpeira no território brasileiro, de acordo com levantamento do MapBiomas.
Apenas nas Terras Indígenas, a área ocupada pelo garimpo cresceu 495% entre 2010 e 2020. Os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) são as mais impactadas pela exploração ilegal de ouro, respectivamente. Com a tramitação do PL, que já está sendo chamado de projeto da morte, a aliança ganha musculatura com a união de lideranças indígenas que dizem não à mineração.


rs78184 for 5377 lprCrateras abertas pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami

Na , o garimpo é um pesadelo antigo. Ao longo da história, foram desmatados mais de três mil hectares de floresta, sendo quase mil hectares somente em 2021. Atualmente, os Yanomami enfrentam a segunda grande corrida do ouro desde os anos 1980, com 20 mil garimpeiros ilegais dentro do território.
“São 38 anos de luta contra o garimpo e estou muito contente com essa aliança para proteger nossos territórios”, afirma o líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami.
Para Maial Paiakan Kayapó, a Aliança em Defesa dos Territórios é sinônimo de resistência e de existência. “Passamos por um momento que querem aprovar a todo custo abrir as Terras Indígenas para a mineração e para outras atividades que irão destruir totalmente nossos territórios. Agora são três para lutarmos juntos, por uma defesa só, em defesa dos nossos direitos originários. Nossa união como é importante para vencer essa guerra.”


a7s02282 trat 0Da esquerda para a direita, Maial Kayapó, Davi Kopenawa e Alessandra Munduruku em Brasília

Apesar de viverem situações semelhantes em seus territórios, esses povos nunca tinham atuado juntos. A semente da aliança foi plantada em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, realizado em Brasília. Lá foi firmado esse pacto histórico contra o avanço do garimpo ilegal, de projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com mineração, hidrelétricas e diversos outros projetos de morte.
Uma carta-manifesto foi assinada em nome das organizações Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX), Associação Floresta Protegida (AFP), Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima, (HAPYR) e Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume). No documento, eles denunciam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.
“Meu povo está cansado de fazer tantas denúncias. O PL 191 é um projeto de morte e somos ameaçados porque são sempre as mesmas caras que estão falando, mas quando a gente se une, isso pode mudar. Temos que fazer algo para que esse governo pare de nos matar, de violentar nossos corpos e nossos espíritos, que estão pedindo socorro”, convocou Alessandra Korap, líder indígena do povo Munduruku e vítima constante de ameaças contra sua vida.


kym brasilia alianca cassandramello 7084 0Da esquerda para a direita, Alessandra Munduruku, Tuíra Kayapó e Maria Leusa Munduruku

Desmatamento e contaminação

Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) informa que, apenas em 2019 e 2020, garimpos ilegais foram responsáveis pelo desmatamento de 2.137 hectares na TI Kayapó e de 1.925 hectares na TI Munduruku.
Além disso, 13.235 km² de floresta amazônica desapareceram entre agosto de 2020 e julho de 2021, no maior desmatamento registrado em 15 anos pelo relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o sistema mais preciso para medir as taxas anuais.
De acordo com o Prodes, o mais afetado dos nove estados que compõem a Amazônia Legal é o Pará, que só neste último período teve 5.257 quilômetros quadrados de área desmatada. É no Pará onde estão os territórios Kayapó e Munduruku.
Já um monitoramento inédito do Greenpeace mostrou que o garimpo ilegal destruiu 632 quilômetros de rios dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 2.278% na extensão de rios destruídos dentro desses territórios.


rs68304 sobrevoo no par foto marizilda cruppeamaznia real17092020 50446044921 oDevastação provocada pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku

Megaron Txucarramãe, do povo Kayapó, afirma que todos que já viram a atividade garimpeira de perto sabem que o “garimpeiro traz para a terra indígena a destruição da terra, da floresta e dos rios.” Além disso, a liderança lembrou os impactos entre os indígenas, afetados por doenças, prostituição e conflitos.

Violência e morte

Em artigo “Empresas do ouro enriquecem, indígenas padecem”, publicado no jornal Le Monde Diplomatique, em 3 de novembro de 2021, os autores Luísa Molina e Rodrigo Magalhães de Oliveira, relembram histórias trágicas que o garimpo causou entre os Yanomami e que ganhou os noticiários em 2021.
Em 12 de outubro de 2021, na Terra Indígena Yanomami, duas crianças indígenas que brincavam em um rio morreram afogadas porque nas cercanias operava ilegalmente uma draga de garimpo. O corpo de uma delas, levado pela correnteza, só foi encontrado dois dias depois.
Cinco meses antes, outras duas crianças morreram da mesma forma após um ataque de garimpeiros em sua comunidade. Em julho, a vítima do garimpo ilegal foi um jovem indígena de 25 anos, que morreu atropelado por um avião que transportava garimpeiros.
O garimpo foi ainda o responsável pela disseminação de epidemias que, há três décadas, vitimaram cerca de 1.500 Yanomami e por um massacre que motivou a única condenação por crime de genocídio consumada no Brasil até hoje.
E não é apenas sobre a floresta que incide a devastação. Pesquisas recentes detectaram níveis alarmantes de mercúrio no sangue dos Munduruku e dos Yanomami. Entre os Munduruku do Médio Tapajós (município de Itaituba), nove em cada dez indígenas apresentaram níveis do metal acima do limite de estabelecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde).


rs11467 dscn0202 lprGarimpo ilegal destrói área no limite nordeste da Terra Indígena Kayapó, no estado do Pará

Entre os Yanomami, a situação também é assustadora. Segundo pesquisa realizada pela Fiocruz, em 2014, nas aldeias mais impactadas pelo garimpo, 92% da população apresentou níveis elevados do metal no sangue. A alta contaminação pode gerar graves danos neurológicos, imunológicos, digestivos e outras sequelas.
A proliferação de malária também é traço característico de áreas com forte atividade garimpeira; nelas são cavadas piscinas de água parada que fornecem o ambiente ideal para a reprodução do mosquito transmissor da doença (Anopheles).
Ao longo de 2021, chegaram da TI Yanomami notícias chocantes de crianças com malária e desnutrição; algumas faleceram sem assistência de saúde adequada. Nos territórios Munduruku, a situação é igualmente preocupante: de 2018 para 2020, saltaram de 645 para 3.264 as notificações de infecção por malária.

Informações para a imprensa

Maria Fernanda Ribeiro: mfernandaribeiro@socioambiental.org

Marina Terra: imprensa@socioambiental.org


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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