"ÍNDIO QUER MERCADO"

“ÍNDIO QUER MERCADO”

 
“Índio quer mercado.” Foram essas as três primeiras palavras de uma reportagem publicada pela @folhadespaulo há quase 30 anos, em 1995. No , eram apresentados os primeiros passos de uma escrita por autores indígenas, entre eles Daniel Munduruku (@danielmundurukuoficial) e Kaká Werá (@kaka_wera).
 
Por Comissão Pró-Índio de / via Daniel Munduruku
 
"ÍNDIO QUER MERCADO"
Foto: Enciclopédia Itaú Cultural
 
Décadas depois, quase tudo mudou. Já faz que chamamos essas populações de indígenas. Tornou-se inimaginável usar uma caricatura linguística digna de dublado de faroeste na hora de se referir a esses povos, como se fossem incapazes de dominar perfeitamente o português.
 
E há anos guaranis, macuxis, mundurukus, yanomamis e outras etnias já são realidade no mercado editorial.
 
Uma nova geração de escritores e ilustradores indígenas começa a despontar e a lidar com outros desafios dentro da literatura brasileira —como, por exemplo, encontrar maneiras de aumentar o protagonismo de autoras , ainda baixo, e ampliar as fronteiras para além do infantojuvenil, levando às livrarias também romances, contos, poesias, crônicas e ensaios.
 
“Eu faço uma curadoria para o Instituto Oceanos e já contabilizamos 156 autores indígenas no hoje”, afirma Kaká Werá, um dos pioneiros. Trudruá Dorrico (@trudruadorrico), indígena e organizadora do Leia Mulheres Indígenas, faz uma provocação: “As pessoas sempre perguntam quantas mulheres você já leu. Mas quantas delas são indígenas?”.
 
"ÍNDIO QUER MERCADO"
Daniel Munduruku/Reprodução Internet
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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