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Inominável veta nova Lei Aldir Blanc

Inominável veta nova Lei Aldir Blanc

Inominável veta nova Lei Aldir Blanc

A decisão provoca indignação entre artistas e produtores culturais que contavam com a subvenção para enfrentar as consequências da pandemia. Governo alega que proposta não é de interesse público…

Por Nicoly Ambrosio/via Amazônia Real

A nova Lei Aldir Blanc foi vetada integralmente pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), conforme decisão publicada na edição de quinta-feira (5) do Diário Oficial da União (DOU). O texto da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, aprovado pelo Senado Federal em março, estendia por cinco anos um benefício já previsto na Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural nº 14.017, de 29 de junho, que foi importante para a sobrevivência da classe artística durante a pandemia de Covid-19.

O veto provoca indignação entre artistas da região Norte, que contavam com a subvenção após dois anos de restrições e prejuízos provocados pela pandemia. Alguns deles falaram à  Real sobre a importância de incentivos como a proporcionada pela legislação especial.  

O da nova Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, criado por parlamentares da oposição ao governo Bolsonaro, foi pensado para permitir que trabalhadores e artistas da área de cultura pudessem enfrentar a pandemia de forma digna. O repasse de 3 bilhões de reais foi destinado a Estados e municípios, responsáveis por gerenciar os recursos a fim de financiar projetos culturais. 

A Política Nacional Aldir Blanc, agora vetada por Bolsonaro, foi a segunda lei de auxílio ao setor cultural a receber o nome do cantor e compositor que morreu em 2020 por complicações da Covid. O novo texto previa um repasse anual, também no valor de 3 bilhões de reais até o ano de 2027. Também enumerava 17 atividades que poderiam ser financiadas, entre elas festivais, festas populares, exposições de arte, feiras, prêmios e espetáculos.

O presidente, que há um mês vetou outro relacionado ao setor cultural, a Lei Paulo Gustavo, alegou que a nova Lei Aldir Blanc é inconstitucional e contraria o interesse público. 

Cultura em perigo

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Artistas ocuparam em 2016 o Palácio Gustavo Capanema, quando da proposta de extinção do Ministério da Cultura em 2016
(Foto: Thomaz /ABr)

Desde o início do atual governo, o setor cultural é enfraquecido por conta de decisões como a extinção do Ministério da Cultura. A pasta foi incorporada, em um primeiro momento, a uma Secretaria Especial do Ministério da Cidadania e, posteriormente, ao Ministério do Turismo. 

A escassez de políticas públicas para a área causou dificuldades para artistas e trabalhadores culturais, pois muitos desenvolvem suas atividades de forma independente e autônoma, sem renda fixa. No início da pandemia, a paralisação das atividades provocada pelo perigo da circulação do coronavírus agravou o problema.

Os recursos da primeira Lei Aldir Blanc permitiram que vários artistas pudessem viver de seu trabalho, em um período de restrições e de necessidade de reinventar a arte e utilizar plataformas digitais para divulgação dos  trabalhos.

No , os editais frutos da primeira Lei Aldir Blanc permitiram a aprovação de 805 projetos culturais, gerando renda para mais de 30 mil artistas. O repasse de quase 40 milhões de reais foi destinado a três editais: “Prêmio Feliciano Lana” (32 milhões de reais), “Prêmio Equipa Cultura” (1 milhão de reais) e “Prêmio Encontro das Artes” (6,3 milhões de reais). Os recursos se estenderam ainda por Estados nortistas como o Pará (72,6 milhões de reais) e Rondônia (22,2 milhões de reais).

Apesar das dificuldades de Estados e municípios em gerenciar adequadamente os recursos oferecidos pela Lei Aldir Blanc, o projeto multiplicou em até 15 vezes os recursos estaduais destinados a projetos culturais na região Norte do país.

O veto da nova Lei Aldir Blanc pode causar um atraso no cenário da cultura local, o que causa revolta nos artistas da região. “Esse recurso é de fundamental importância na região Norte, porque, naturalmente, a gente tem muita dificuldade de acesso a incentivos e patrocínios”, diz Elisa Maia, produtora cultural e cantora amazonense. Para Elisa, o veto protela ainda mais a possibilidade da chegada de recursos que financiam projetos culturais na região, afetando direta e indiretamente trabalhadores que compõem a cadeia produtiva, de músicos a costureiras, por exemplo. “A desse fomento impacta negativamente toda uma cadeia de produção, uma vez que o setor cultural gera renda para várias pessoas. Muitos artistas estão deixando de ser artistas e produzir seu trabalho para virar outro tipo de profissional, é o que vem acontecendo agora”, afirma.

Elisa teve dois projetos contemplados pela primeira Lei Aldir Blanc: o videoclipe da  Todo Poder Curativo, lançado em agosto de 2021, e o projeto Dança Sozinha Sessions, uma sessão ao vivo de quatro músicas, com lançamento previsto para julho deste ano. Além disso, ela produziu o Festival Até o Tucupi 2020, também contemplado pela lei. “Cada projeto meu empregou mais de 30 pessoas diretamente e gerou centenas de empregos indiretos. A Lei Aldir Blanc foi um recurso robusto muito importante que nunca houve no Amazonas”.

“Muitas pessoas agregam valor e dão ênfase na cultura local através de editais para ajudar projetos sócio-culturais que se organizam no nosso ”, diz o produtor Will Dera, slam e produtor cultural. Will teve um projeto contemplado pela lei, o 1° Festival Slam AM, que será realizado no dia 15 de maio. O poeta justifica que, sem o financiamento, jamais conseguiria realizar o evento, que envolve a participação de poetas da categoria slam, uma vertente do hip-hop. Muitos deles são jovens moradores das periferias de . “Para uma pessoa que trabalha com cultura, tirar o dinheiro do próprio bolso às vezes é muito difícil. Precisamos dos editais para realizar nossos projetos e fazer chegar à população”, completa.

A grafiteira e professora de artes Deborah Erê conta que passou meses com seu negócio cultural fechado por conta da pandemia. A Casa da Sereia, espaço localizado no bairro Parque Dez de Novembro, zona centro-sul de Manaus, só foi reaberta por conta do financiamento via Lei Aldir Blanc, que chegou a Deborah por meio de projetos nos quais ela participou como artista convidada. 

“Mesmo depois do retorno presencial é difícil se manter (a casa). O custo de vida aumentou e consequentemente nossos materiais de trabalho aumentaram de preço. A arte não é uma prioridade para a população, como comprar gás ou pagar as contas. É importante que existam editais para que a gente possa continuar fazendo a nossa arte e passar por esse momento difícil economicamente”, explica.

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A grafiteira e artista visual Deborah Erê
(Foto: Reprodução Instagram)

“Mais uma vez esse governo afirma sua política conservadora e com plano de apagamento cultural e identitário do país, tendo em vista que é na arte que nossas subjetividades históricas se reconstroem e sobrevivem”, dizem os integrantes do trio amazonense D’água Negra. O grupo teve o projeto do seu EP intitulado “Sonho líquido” contemplado pela Lei Aldir Blanc e afirmam que, graças ao edital, conseguiram expandir a linguagem sonora com gravações orgânicas onde vários instrumentistas foram contratados para a execução do projeto. 

“A importância de ter um trabalho do D’água Negra aprovado pela Lei Aldir Blanc é radicalmente poder existir enquanto banda. O edital proporcionou a existência da nossa música em níveis pessoais e principalmente profissionais, a elevação do nível técnico, a valorização dos profissionais que trabalham com a gente, a fomentação de uma rede de artistas de diversos segmentos e recortes sociais”, alegam.

Com o investimento fruto do edital, o grupo conseguiu levar o seu trabalho a diversos espaços no âmbito regional, nacional e até internacional, aparecendo em portais midiáticos especializados em músicas como a BBC Radio, Sounds and Colors, Sonic Soul, CBC Music, Papelpop e Revista Noize.

“A lei eleva nossa condição de artistas e produtores nortistas, somos mais vistos, mais valorizados e assim conseguimos criar uma cena cultural mais estabelecida, mais capacitada e mais identitária possível”.

O veto de Bolsonaro provocou várias manifestações de opositores. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das autoras da proposta, disse que o veto aconteceu porque a lei “liberta e empodera quem faz e quem usufrui da nossa riqueza cultural”. 

A oposição promete se mobilizar para derrubar o veto no Congresso Nacional.

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A deputada Jandira Feghali
(Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados)
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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