Inventário da Ditadura: 55 anos de dor, amnésia, injustiça e sofrimentos de todo o povo brasileiro

Inventário da violência da ditadura cívico-militar-empresarial a partir de 1964 : F.Altmayer Jr.

Por: Leonardo

Do Prof. Dr. Fernando Altmeyer da PUC-SP  já foram publicadas várias matérias de cunho histórico e estatístico. É conhecido por sua seriedade. Desta vez, é importante que leiamos o que recolheu de maldades e barbaridades que a ditadura civil-militar-empresarial produziu em 21 anos de sua vigência. 

Consciência da verdade, da e sobretudo da memória de dor exigem/clamam que enfrentemos a vontade diabólica do atual presidente  que pretende celebrar o golpe após 55 ano de uma sangrenta ditadura  imposta em 31 de março de 1964. Seria como se Angela Merkel obrigasse celebrar a figura de Adolf Hitler e Putin a figura de Stalin, com os horrores que ambos e outros cometeram contra a humanidade e a dignidade humana.

Desta forma somos, como cidadãos, degradados por um Presidente que deveria, por ofício, representar valores humanitárias e democráticos e respeitosos das vítimas, de ambos os lados,  pois houve excessos de ambas as partes, dos que reprimiam e dos que eram reprimidos. Ocorre que a violência repressiva  provinha  dos agentes do Estado de exceção que, por dever, como Estado, deve proteger  o cidadão e não persegui-lo, torturá-lo, fazê-lo desaparecer e finalmente assassiná-lo. 

Brasil Nunca Mais é o livro publicado pelo Card.Paulo Evaristo Arns de São Paulo.  A singularidade deste livro que o torna insuspeito reside no fato de que foi escrito estritamente a partir de documentos produzidos pelas próprias autoridades encarregadas da repressão. Não vinham das vítimas das torturas mas dos produtores das torturas em nome do Estado de Nacional em processos do Superior Tribunal Militar (STM), num total que ultrapassa um milhão de páginas de mais de 707 processos completos e de outros incompletos.

Dai a importância deste breve inventário dos horrores que a ditadura impôs ao brasileiro produzido acuradamente pelo Prof. Fernando Altmeyer Jr. Ele vem comemorado pela paranóia do atual presidente que não reconhece o fato da ditadura e que disse e repetiu:”a ditadura cometeu um erro: torturou quando devia ter fuzilado os subversivos”.  Aí não temos mais palavras. A ignomínia é demasiadamente grande para ser pensada e refutada.

Brasil, Nunca Mais (1985 pela Editora Vozes) foi o título do livro que o Cardeal Arns apresentou em nome da Igreja diante do mundo inteiro os horrores das salas de tortura mas no sentido da paz e para que nuca mais se repita esta tragédia e se supere a banalidade do mal.  Lboff

Inventário da violência praticada durante a ditadura cívico-militar-empresarial desde 1.4.1964: 55 anos de dor, amnésia, injustiça e sofrimentos de todo o povo brasileiro:

  • 500.000 cidadãos investigados pelos órgãos de segurança
  • 200.000 detidos por suspeita de subversão
  • 50.000 presos entre março e agosto de 1964
  • 11.000 acusados em julgamentos viciados de auditorias militares
  • 5.000 condenados
  • 10.000 torturados no DOI-CODI de São Paulo
  • 40 crianças presas e torturadas no DOI-CODI paulistano
  • 8.300 vítimas indígenas de dezenas de etnias e nações
  • 1.196 vítimas entre os camponeses
  • 6.000 mil apelações ao STM que manteve as condenações destes 2.000 casos
  • 10.000 brasileiros exilados
  • 4.882 mandatos cassados
  • 1.148 funcionários públicos aposentados ou demitidos
  • 1.312 militares reformados compulsoriamente
  • 1.202 sindicatos sob intervenção do Estado e do Judiciário cúmplice e inconstitucional
  • 248 estudantes expulsos de universidades pelo famigerado decreto ditatorial numero 477
  • 128 brasileiros e 2 estrangeiros banidos sendo alguns sacerdotes católicos …
  • 4 condenados à morte (pena comutada para prisão perpetua)
  • 707 processos políticos instaurados pela Justiça militar em diversas Auditorias
  • 49 juízes expurgados, três deles do Supremo Tribunal Federal
  • 3 vezes em que o foi fechado pelos generais ditadores
  • 7 Assembleias Legislativas postas em recesso
  • Censura prévia a toda a imprensa brasileira
  • 434 mortos pela repressão
  • 144 desaparecidos
  • 126 militares, policiais e civis mortos em ações contra a resistência à ditadura
  • 100 empreiteiras e bancos envolvidos em escândalos abafados pelos militares
  • Reimplantação do trabalho escravo nas fazendas do Brasil com o beneplácito dos governos militares.
  • Sucateamento das Universidades pela imposição do programa MEC-USAID
  • Destruição do movimento social brasileiro
  • Fim das organizações da sociedade civil como UNE, Centros de , , JUC, Agrupamentos e partidos de esquerda.
  • Corrupção em todos os níveis por grupos militares e cobrança de propinas para as grandes obras.
  • Submissão aos interesses norte-americanos pela presença da CIA e de torturadores treinados na Escola das Américas em todos os órgãos policiais e militares.
  • Destruição das Guardas municipais e estaduais e militarização das policias
  • Domínio da Lei de Segurança Nacional e propaganda da Ideologia de Segurança Nacional.
  • Expansão do poder de empresas beneficiarias do golpe como redes de TV, jornais pro-ditadura e grupos econômicos que financiaram a tortura e a repressão.
  • 21 anos de ditadura e escuridão com a destruição das vias democráticas e o vilipêndio da Constituição e da em nome do Estado autocrático e destrutivo da nação brasileira.
  • Construção de obras faraônicos como Transamazonica, rio-Niteroi,Itaipu e outras com desvio de vultosas quantias do erário publico para empresas e corruptos do governo federal e estadual.
  • Instauração de senadores e prefeitos biônicos.
  • Criação de locais de tortura e casas da morte, como por exemplo, a de Petrópolis-RJ.
  • Instalação de campos de concentração em território nacional usando de técnicas nazistas.
  • Pagamento e manutenção de imensa rede de arapongas e informantes das forças repressivas para denunciar os que lutavam pela democracia.
  • Apoio de médicos para a realização da tortura e para fazer laudos falsos das mortes em prisões e locais do Estado brasileiro.
  • Perseguição e morte de brasileiros fora do Brasil em ligação com as forças ditatoriais de outros países do Cone Sul.
  • Acolhida de ditadores de outros países como Alfredo Stroessner do Paraguai.
  • Financiamento de grupos paramilitares.
  • Apoio a atos terroristas e incêndio de prédios (UNE), bancas de jornais, redações, igrejas, sindicatos, e apoio às milícias de latifundiários para extermínio sistemático e impune de índios e posseiros em toda a Amazônia e brasileiro.
  • Campanha de difamação contra bispos, pastores, líderes políticos em canais de televisão para indispor a opinião pública e favorecer a repressão.
  •  Proibição de citar o nome de Dom Helder Câmara em qualquer órgão de imprensa do Brasil por mais de 20 anos, quer notas positivas quer negativas.
  • Bombas explodidas em todo o território nacional e em particular no episódio do RioCentro a mando de generais e grupos terroristas dentro das Forças Armadas.
  • Perseguição aos artistas brasileiros.
  • Formação da ARENA, partido de direita manipulado pelos militares e elite financeira do Brasil.
  • Repressão e perseguição da UNE e invasão da PUC-SP pelo coronel Erasmo Dias.

Fontes: relatórios da CNV, dados de Luiz Claudio Cunha e informes do gabinete do Deputado Adriano Diogo, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, dados do livro Brasil, Nunca Mais.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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