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Ivete: Lição de vida, exemplo de luta, e saudade!

Ivete: Lição de vida, exemplo de luta, e saudade!

Por Martha Nunes 

As pessoas não morrem. Ficam encantadas.” – Guimarães Rosa

Desde que Ivete Carvalho de Freitas partiu do nosso convívio, vítima de um câncer, no último 6 de junho, venho refletindo sobre o muito de Ivete que ficou em nossas vidas e sobre a falta que ela nos faz, a nós, seus amigos e amigas; ao Arthur, seu companheiro; às suas meninas, Iveliny, Renata e Polyanna, seus três genros, seus sete netos, e a toda sua família.

Ivete e eu viemos de terras distantes e realidades distintas. Ela, goiana da gema, nascida em Alto Paraíso, num dia 12 de outubro, desde pequena morou em , onde cheguei aos 13 anos de idade, vinda de Riolândia, cidadezinha vizinha do barranco de rio onde nasci, na Fazenda Aldeia dos Índios, município de São Francisco de Sales, Minas Gerais.

Nossa amizade de décadas nasceu na rua Santos Dumont, onde a vizinhança toda se conhecia, era amiga e se cuidava. Ivete morava no lado ímpar da rua, com seu pai, seu Geraldo, com seus irmãos Arlete, e Joel, filhos do primeiro casamento de seu Geraldo, e  Elizabeth (Betinha)  e Cláudia,  do segundo casamento de seu Geraldo com Terezinha, que se tornou uma mãe para todas as crianças,  e com dona Leocádia, sua . Eu, na casa azul do número 60, do outro lado, mas bem perto da casa dela.

Embora estudássemos em escolas diferentes – Ivete no Centro Educacional Independência, o CEI, onde cursou até a 8ª série do ensino médio (que só terminou 40 anos depois, no curso de EJA do Itesp), eu no Colégio São José, onde segui até me formar professora, a gente sempre se encontrava antes e depois das aulas, ali mesmo na calçada, na porta da casa dela ou da minha.

Depois, a vida nos apartou um pouco, a filha de Geraldo Carvalho de Freitas e Aparecida Batista, casou-se com Voltair Teles de Faria, teve as três filhas, batalhou muito, separou, virou repórter do Jornal 13 de Maio, como jornalista rodou o nordeste goiano, fez muita matéria sobre os municípios da região, casou de novo, com o Arthur Rocha Filho, tornou-se artesã e, pronto: de novo nos encontramos!

Ivete e Arthur

Exímia cozinheira, por um tempo Ivete virou microempresária do ramo de alimentos, ela produzia deliciosas traíras sem espinha, mas o artesanato falou mais forte, e ela  passou a produzir bonecas de pano, ursos e outros animais diversos em tecido, e flores esqueletizadas. O negócio prosperou e, com Arthur, formou a microempresa Recanto do Artesanato.

Também com Arthur, passou a produzir peças em madeira, como lindos puxadores, e  a fazer pinturas em quartos infantis. Ivete tornou-se tão boa no que fazia, que foi chamada para dar cursos de artesanato para a Prefeitura de Formosa. E a expor em feiras, onde enchia o ambiente de alegria com sua risada fácil, sua musicalidade aguda, sua sanfona, seu pandeiro.

Sobre a sanfona, Ivete sempre contava que ganhou de um senhor que a viu tocar um dia num dos muitos saraus de que participava na noite de Formosa. As músicas, ela se orgulhava de ter aprendido de ouvido, sem nunca ter tido uma aula. Para Ivete, a alegria da vida era sua música, seu artesanato,  sua militância e suas pescarias, sempre cercada da família e de suas muitas amizades.

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Valente, Ivete enfrentou com braveza o difícil e doloroso tratamento do câncer no intestino, descoberto por meio de um exame de tomografia em 27 de maio de 2019. Nesse tempo todo, não teve cirurgia (no Hospital de Sobradinho), não teve seção de terapia (e foram muitas, com muitas reações, em mais de um hospital), não teve nem mesmo as terríveis dores do final do tratamento, nada que a fizesse desistir da esperança.

Já bem doente, Ivete ganhou dos companheiros e companheiras do Partido dos Trabalhadores, ao qual era filiada, uma boneca de pano, onde bordei o nome dela. Ainda que nossos corações estivessem tristes com tanto sofrimento daquela amiga tão querida, ao entregar o presente Jorgete Opa e eu saímos da casa dela  movidas pelo esperançar de Ivete, que jamais deixou de acreditar na beleza da vida.

Por fim, quando o câncer a venceu, naquele dia 6 de junho,  eu só conseguia pensar no quanto a vida dela me serviu de exemplo, no quanto a luta dela contra a doença nos fez sentir a vulnerabilidade da existência, e na falta que ela nos faz a cada momento da nossa caminhada.

Hoje, passada a dor imediata da despedida, ao me lembrar com saudade de nossa brava amiga e companheira, ouso parodiar o poeta Manoel Bandeira e, tomando de empréstimo o conceito dos versos dele, celebro e agradeço o legado de Ivete:

Ivete Forte, Ivete de Luta,

Ivete sempre na Resistência

Imagino Ivete chegando no céu:

_ Licença, meu santo.

E São Pedro, bonachão, dizendo:

_ Entra, Ivete, você não precisa pedir licença!

Depoimento de Martha Nunes, em texto gravado e editado por Zezé Weiss, editora da , em julho de 2020. Conhecida como #ProfessoraMartha, Martha Nunes é artesã, professora aposentada de História, e pré-candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores – PT nas eleições de 2020. #SalveJorge

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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