JÚLIA ROCHA: EXISTE PELEUMONIA

JÚLIA ROCHA: EXISTE PELEUMONIA

Júlia Rocha: Existe Peleumonia

“Quem sabe o que tem é quem sente. Existe Peleumonia. Eu mesma já vi várias. Incrusive com febre interna que o termômetro num mostra. Disintiria, quebranto, mal olhado, impíngi, cobreiro, virado, ispinhela caída. Eu tô aqui pra mode atestá. Quem sabe o que tem é quem sente. E eu quero ouvir ocê desse jeitinho. Mode a gente se entendê. Por que pra mim foi dada a chance de conhecê as letra e os . Pra você, só deram chance de dizê. Pode dizê. Eu quero ouvir.”

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O peleumônico da médica mineira Júlia Rocha, preceptora do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria de do Rio de Janeiro, publicado em sua página no Facebook no dia 29 de julho em reação cidadã à postagem preconceituosa de um outro médico, Guilherme Capel, criticando o linguajar simples e popular de seus pacientes, viralizou com gosto nas redes sociais. Na noite deste sábado para domingo 31, o post de Júlia já passa de 60 mil compartilhamentos e tem mais de 120 mil curtidas.

O gesto solidário de Júlia, multiplicado por tanta gente, fez com que o doutor que acha que não exite “peleumonia” fosse afastado das funções de plantonista do Hospital Rosa de Lima, em Serra Negra, no de . O dotô se discurpô, e pidiu pra não ser jurgado, mas não foi capaz dizer que peleumonia de fato existe, como existem tantas outras palavras que o diz na “fala certa do povo” enquanto os intelectuais de meia de tijela o que fazem é, segundo o Bandeira, “macaquear a sintaxe Lusíada“.

Zezé Weiss – Jornalista. Editora da . Matéria publicada originalmente em julho de 2016. 

JÚLIA ROCHA: EXISTE PELEUMONIA
Foto: Júlia Rocha – Facebook

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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