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Justiça reduziu o valor de ações por danos ao rio da Prata (MS) em 80%

Justiça reduziu o valor de ações por danos ao rio da Prata (MS) em 80%

Conciliação arquivou um caso envolvendo quase 30 quilômetros de drenos numa única fazenda, com multas somando R$ 13 milhões.

Por Aldem Bourscheit/O Eco

Uma disputa judicial de 4 anos foi encerrada em março com uma conciliação entre as partes e o arquivamento de processos milionários por danos a um rio nos municípios de Bonito e Jardim. O polo turístico na Bacia Pantaneira fica a 260 km de Campo Grande (MS).

Visitantes do Brasil e do Exterior foram surpreendidos em novembro de 2018 quando as águas azuis-cristalinas do Rio da Prata surgiram tingidas de marrom. A imundície veio de fazendas que cultivaram soja secando banhados e sem curvas de nível. Isso facilita que chuvas levem lama a cursos d’água.

Grande parte das propriedades está num território repleto de nascentes formadoras do Rio da Prata. A região abriga rica vida selvagem e, como um grande filtro, ajuda a manter limpas as águas do manancial.

No ano seguinte, o Ministério Público Estadual acionou 12 imóveis e seus proprietários em R$ 16,8 milhões. Todavia, uma conciliação promovida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul engavetou todos os processos e encolheu os valores para R$ 3,2 milhões. O corte foi de 80,5%. 

A decisão foi anunciada pelo juiz Milton Zanutto Júnior, da 1ª Vara de Bonito, no último 30 de março. A conciliação é apontada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como uma solução negociada, rápida e barata para disputas judiciais. 

O montante será rateado entre os fazendeiros (44%) e governos (56%), esses responsáveis por obras rodoviárias que ajudaram a poluir o rio. Assim, o setor privado pagará R$ 1,4 milhão e os cofres públicos R$ 983 mil (estado) e R$ 840 mil (municípios).

Um dos processos arquivados incluía multas de R$ 13 milhões por 26 km de drenos lineares (valos) numa única fazenda, como mostrou ((o))eco. Foram engavetados ilícitos em outros imóveis, incluindo desmatamento e pecuária em áreas protegidas.

Tais casos fizeram entidades civis avaliarem que a conciliação não compensa os danos à natureza provocados pelo avanço desregrado da agropecuária na Serra da Bodoquena, região de mananciais límpidos como o Rio da Prata.

“[Dá] a entender que qualquer infrator e causador de danos ambientais possa recorrer a esse tipo de conciliação”, diz Fernanda Cano, superintendente-executiva da Fundação Neotrópica. A ong atua no estado desde 1993. 

Só em Bonito, a área de vegetação e alagados naturais caiu 20% entre 1985 e 2021, de 305 mil hectares (ha) para 244 mil ha. No mesmo prazo, a agropecuária ocupou mais 30% do território, passando de 230 mil ha para 292 mil ha, aponta o MapBiomas.

Enquanto isso, o turismo se firma como principal economia e já responde por cerca da metade do PIB (Produto Interno Bruto) de Bonito, e por aproximadamente 4% do estadual, movimentando R$ 4 bilhões anuais.

Presidente do Instituto das Águas da Serra da Bodoquena (IASB), Eduardo Coelho avalia que a fiscalização precisa de mais gente e tecnologia, como imagens de satélite. O embargo de terras alvo de ilícitos ambientais levaria mais produtores a licenciar o uso de alagados e campos.

“A exploração rural é possível desde que ocorra com mais cuidados, inclusive para manter o solo e garantir a produtividade nas fazendas”, destaca. A entidade busca conservar águas e matas da Serra da Bodoquena desde 2002.

A legislação florestal permite o licenciamento por órgãos ambientais de plantios em banhados, que não são classificados como áreas de preservação permanente.

O Rio da Prata antes (abaixo) e depois (acima) de fortes chuvas. Foto: Divulgação SOS Pantanal

Reparações  

O avanço desregrado da agropecuária ameaça economias conectadas a ambientes preservados na Serra da Bodoquena. Especialistas apontam risco de poluição também nos rios do Peixe, Nascente Azul, Anhumas, Formoso e Mimoso – todos na região de Bonito e Jardim.

Conforme o portal Campo Grande News, antigamente o próprio governo (estadual) “estimulava o uso de áreas alagadas, tornando-as produtivas”. Desde o início deste ano, as águas do Rio da Prata estão com tom leitoso, a partir de uma grande fazenda de soja. 

“Isso impede mergulhos e outras atividades turísticas”, descreve Eduardo Coelho, do Instituto das Águas da Serra da Bodoquena (IASB). “As pressões do agronegócio afetam também a população empregada por meio de passeios, agências e restaurantes”, lembra Fernanda Cano, da Fundação Neotrópica.

Para frear os danos, os valores a serem pagos através da conciliação judicial devem servir à proteção da Bacia do Rio da Prata. Grande parte dos recursos (R$ 2,3 milhões) irá adequar lavouras e estradas para que prejudiquem menos a natureza e o turismo. 

“A conciliação (mesmo com perdas) foi necessária para que medidas de reparação aos danos ambientais fossem priorizadas”, pondera Fernanda Cano. 

Os valores serão depositados num fundo a ser administrado por uma das entidades que subsidiou tecnicamente a conciliação. São elas o IASB, a Fundação Neotrópica, a Assembleia Legislativa e as federações da Agricultura e das Indústrias do Mato Grosso do Sul.

“O incidente disparou a recuperação da mata ao redor de nascentes e cursos d’água, o controle de erosões e o fechamento de alguns drenos”, conta Coelho. “Acelerar a implantação da legislação florestal irá propiciar novas ações de restauração ambiental”, completa. 

Publicados em 2021, uma lei municipal e um decreto estadual engrossam a proteção das bacias dos rios da Prata e Formoso. Pelas normas, projetos técnicos devem ser licenciados para manter o equilíbrio natural de seus banhados e nascentes.

Para Fernanda Cano, da Fundação Neotrópica, também é necessário qualificar as licenças do agronegócio na Mata Atlântica regional, regularizar as terras do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, apartar áreas de conservação e produção municipais e incluir estado e União na fiscalização. 

“[Assim] será possível criar mecanismos de controle e gestão da ocupação do território, aumentando a eficiência das políticas públicas para a conservação da biodiversidade”, explica. 

A Prefeitura de Bonito alegou que precisava analisar juridicamente o caso antes de se pronunciar, o que não ocorreu. O Tribunal de Justiça e o governo do Mato Grosso do Sul também não atenderam aos nossos pedidos de entrevista.

Drenos fechados com pedras em fazenda na Bacia do Rio da Prata. Foto: Divulgação/Instituto do Homem Pantaneiro (IHP)

Aldem Bourscheit – Jornalista. Fonte: O Eco.  Foto: Divulgação / IASB. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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