LENDA CAXINAUÁ DA REGIÃO DO ALTO JURUÁ

LENDA CAXINAUÁ DA REGIÃO DO ALTO JURUÁ

Lenda Caxinauá da região do alto Juruá

Quando os indígenas caxinauá tinham virado porcos…

Os indígenas Caxinauá tinham muitas casas. Suas roças davam com abundância. Todas as mulheres maridaram-se. Só uma moça muito bonita não quis casar. A mãe quis casá-la, mas ela não queria.

A moça armou uma rede bem alto e deitou-se. Um homem quis subir e deitar-se junto, mas ela cobriu-se. Assim, o homem não pôde e foi-se embora.

– Foi-se, disse a mãe e xingou. A moça chorou. O pai aconselhou-a, mas ela não quis ouvir. Continuou chorando.

Os indígenas foram colher pamas e diluíram estas frutas silvestres numa grande panela. Reuniram-se para beber a mistura. Beberam a noite toda. Foi só no alto dia que muitos se deitaram na rede.

Ao escurecer, a moça que não queria casar, tinha-se deitado e estava agora dormindo na rede colocada no alto.

Por fim, todo o mundo dormia. Por fim, a gente toda roncava.

Aconteceu então que, roncando, viraram porcos, aí mesmo viraram porcos-do-mato, e até os meninos pequeninos se transformaram em porcos. Enrolaram as redes, amarrando os rolos na cintura. Seus potes assentaram-se nos narizes, e, suas panelas, nas cabeças. Ali mesmo viraram porcos, saíram, foram comer os seus legumes e correr para longe.

A moça, porém, que não queria maridar-se, estava deitada na rede armada bem alto. Deixaram-na sozinha quando saíram. Acordada, ela procurou a sua gente. Correu chorando de um lado para outro. Está sozinha e não tem com quem morar. Sozinha chora e chorando anda por aqui e por ali.

Ao saírem, os outros tinham deixado uma caixa. Estava pendurada no pau da cumeeira e balançava.

Dentro dela, um menino pequenino assobiou. A mulher alegrou-se, subiu, desatou a caixa, abaixando-a. Quando a abriu, dela saiu um menino pequenino e bonitinho. Estava rindo. A mulher alegrou-se com ele e não chorou mais.

Ao escurecer, dormiu com o menino pequeno na rede. Dormiu a noite toda, e quando ela acordou; o menino pequeno já se tinha levantado e estava passeando de um lado para outro. A mulher alegrou-se com ele, fez comida, comeu com ele, e na noite seguinte o menino pequenino já se tornara rapaz.

A mulher alegrou-se com ele e fez frechinhas para ele matar tejuaçú.

Na noite seguinte ele já se tornara grande. A mulher alegrou-se com ele e fez frechas. Ele frechou peixe e caça. Quando ele voltou da caça, a mulher dormiu com ele na rede. Ao acordarem, ela o fez ser o seu marido. Na rede, ele fez o gosto dela.

O “menino” emprenhou a mulher. Seu filho nasceu.

Então aconteceu o marido ir caçar e matar o pai de sua mulher e o irmão dela. A mulher adivinhou que eram os parentes. Pois os indígenas Caxinauá não tinham virado porcos-do-mato? A sua gente não se tinha transformado em porcos?

A moça foi embora, o marido também, e também o filho. Não se sabe para onde foram.

Isso se deu quando os indígenas Caxinauá tinham virado porcos.

BALDUS, Herbert. Lendas dos Indígenas do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense Ltda., 1946. p.67-68

Fonte: Alma Acreana

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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