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LIA DE ITAMARACÁ: UM PRESENTE PARA NOSSA BRASILIDADE

LIA DE ITAMARACÁ: UM PRESENTE PARA NOSSA BRASILIDADE

Lia de Itamaracá: Um presente para nossa brasilidade

O tempo seria para estarmos falando do Carnaval, mas em prolongada quarentena, o Coronavírus ainda fazendo estragos e com o surgimento de novas cepas, os desfiles de Escolas de , Blocos e Marchinhas foram para o beleléu, em meio ao desgoverno que virou nosso Brasil tão rico em festas populares, folguedos e folclores. Retomemos, pois, parte de nossa costumeira alegria para falarmos dessa preta de primeira grandeza: a famosa Lia, a de Itamaracá

Por Iêda Vilas-Bôas

O nome de registro é Maria Madalena Correia do Nascimento, mas ficou conhecida como Lia de Itamaracá. Nasceu no dia 12 de janeiro de 1944 e, por graça dos anjos, santos e arcanjos, do alto de seus 78 anos figura altaneira, mostrando a todos que tem orgulho de seu chão, de sua cultura e de seus valores e costumes. Lia virou cirandeira, passou a cantar e dançar cirandas desde os 12 anos, foi a única entre os 22 irmãos que se dedicou à música e dança.

Sua cantiga percorreu desmedidas distâncias e é comum que acompanhemos cantarolando sua cantiga: “essa ciranda quem me deu foi Lia que mora na ilha de Itamaracá”; estes versos foram colhidos do cancioneiro popular e registrados pela Folclorista e compositora Teca Calazans. Lia: mulher simples, dançarina, compositora e cantora de ciranda brasileira. Foi a partir de 1960 que começou a ganhar fama. Lia é dançarina e considerada a mais célebre cirandeira do Brasil.

Ela é de Itamaracá, uma ilha do de Pernambuco, e foi de lá que o Brasil ganhou este presente: Lia. Uma mulher alta, que tem 1,80 m, corpo cheio de balanço, esperança nos olhos e um sorriso cativante. Pela sua altura podemos perceber em Lia traços da África Ocidental da Costa Oeste, é possível que Lia tenha em sua genética parte dos povos dessa região como os iorubás, os jejes e os malês. Lia é enorme. Do tamanho gigantesco da sua cultura e de sua raça. Preta com um gingado que mais se parece com as ondas do mar de Iemanjá, de quem é filha e devota.

Adornando a farta cabeleira tem sempre um lenço colorido que vai combinar com os brincos grandes e com muitos colares. Lia é bonita e vaidosa. Seu canto não é só para ser ouvido, sua ciranda não é só para ser dançada. Sua e sua voz perpassam os nossos ouvidos e batem de cheio em nosso peito. Por Lia e por outras e outros tantos dobramos os joelhos em contemplação. Sua voz é a voz da própria diáspora e dos navios negreiros. E a ciranda? Como ela mesma diz: “minha ciranda não é minha só, ela é de todos nós!”

Lia conta que sua música, sua dança e suas composições são presentes dos encantados. Lia também tem apreço em fazer comida e é cozinheira de mão cheia. Muitas crianças puderam provar de seu tempero quando trabalhava como merendeira de uma escola pública da rede estadual de ensino até o ano de 2008. Aí ganhou o prêmio da aposentadoria e outros mais como o que a Fundarpe – Fundação de Arte do Pernambuco – lhe concedeu e honrou. Lia é possuidora do título de Embaixadora da Casa da Cultura do Recife e, antes da quarentena, mal parava em sua longínqua Itamaracá, rodopiando aos quatros cantos que o vento lhe tocasse para apresentações e rodas de prosa.

Lia gosta de cantar e compor cocos de roda e maracatus. O samba de coco é uma dança brasileira que tem seu berço no sertão nordestino. O ritmo mistura harmonicamente traços de músicas indígenas com influências africanas remanescentes dos e senzalas. É uma música de alegria, uma rapsódia e música, sobretudo de . O samba de coco tem por característica dois elementos: o tirador de coco, ou coqueiro, que é quem puxa a cantiga, e o acompanhamento de palmas. Em suas letras a e lida do povo preto são mostradas em cotidiano poético.

Para falar de Lia é imprescindível falar do Maracatu que, como diz a canção: não sabemos como começou, mas sabemos que empolgou e empolga muita gente. O Maracatu é uma dança folclórica de origem afro-brasileira, típica do estado de Pernambuco. Surgiu em meados do século XVIII, a partir da miscigenação musical das culturas portuguesa, e africana.

Os negros criaram os maracatus como forma de manifestação e expressão de suas culturas ancestrais que deixaram do outro lado do e, para que não houvesse retaliação da dança, por proibição e talhos de açoite no lombo, o Maracatu foi logo atrelado a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, seja bem esclarecido que a Nossa Senhora dos Brancos não se dava a esse assanhamento de cantorias e requebração.

Em 1998, Lia de Itamaracá foi uma das atrações do Abril pro Rock e daí em diante foi uma estrada comprida entre merenda, cantigas e danças, participando de apresentações pelo Brasil e no exterior. O festival Abril Pro Rock acontece desde o ano de 1993, em Recife, Pernambuco, no mês de abril. O evento é um espaço de oportunidade para o reconhecimento de novos valores artísticos de Pernambuco. Atualmente está só no , esperando a pandemia passar.

Lia de Itamaracá é considerada, hoje, Patrimônio Vivo da Cultura de Pernambuco. Entoemos este imortal refrão: “Oh cirandeiro/cirandeiro oh/ a pedra do teu anel brilha mais do que o sol”. E acrescentemos a ele: Lia, minha preta linda, você brilha mais que o sol. Você, Lia, é a joia mais preciosa da musicalidade de nosso amado e sofrido Brasil.

Salve, Lia de Itamaracá!

Iêda Vilas-Bôas – Escritora. Conselheira (in memorian) da Revista Xapuri.

NOTA DA REDAÇÃO: Matéria publicada originalmente em tempos de pandemia. Hoje, vencida batalha graças à ,  republicamos para saudarmos o legado de Lia de Itamaracá.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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