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Lições do Pau-Brasil: Os crimes ambientais

Lições do Pau-: Os crimes ambientais

José Ribamar Bessa Freire, neste artigo, fala de contrabando do Pau-Brasil nos idos de 500 e poucos e faz uma analogia com o tempo de hoje, ferrenho e duro. Põe em pauta a política ambiental e do vilipêndio do nosso país,. De lá para cá, pouco mudou. Aliás, piorou também na luta antirracista onde vice e presidente acobertam a vergonha alheia

 

Se Portugal criar sete ou oito povoações no litoral,

isso será suficiente para impedir os da terra de vender o pau-brasil e, não o vendendo, as naus [francesas]

 não hão de querer lá ir para voltarem vazias.

(Carta de Diogo de Gouveia a D. João III, 1532)

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, por desconhecer a história do Brasil, não mostrou ao “Trump de igarapé” a carta de Diogo de Gouveia a D. João III sobre o contrabando do pau-brasil. Escrita em 29 de março de 1532, sua leitura agora nos pouparia de mais uma besteira que envergonha e submete à chacota internacional a nós, brasileiros.

O ex-capitão declara hoje aquilo que desdiz amanhã, acobertado com panos quentes pelo gen. Mourão, seu vice. Na terça-feira (17 de novembro), na cúpula do Brics, Bolsonaro ameaçou se vingar dos críticos da política ambiental de seu governo, responsável pelo aumento do na : “Estaremos revelando nos próximos dias países que têm importado madeira extraída de forma ilegal da Amazônia”.

Num foro internacional, ele foge de sua responsabilidade e atribui a culpa aos “outros”. No dia seguinte, a Folha de São Paulo abriu manchete: “Europa comprou madeira ilegal do Brasil, indica PF. Mais informativo seria inverter: “Brasil vendeu madeira ilegal para a Europa”. 

Nos dois casos, porém, haveria equívoco: quem comprou não foi a Europa, mas empresas ali sediadas. E quem vendeu não foi o Brasil, mas madeireiros criminososSe “os da terra” não tivessem vendido, compra não haveria. Dois só negociam quando os dois querem. É como briga.

Advertido pela besteira, Bolsonaro recuou dois dias depois, mas mesmo assim insistiu incriminando a França e calou sobre a fiscalização pelo seu governo dos crimes ambientais cometidos aqui dentro. O que fazer para impedir que “os de dentro” estuprem a floresta e prejudiquem o país? Qual lição podemos tirar hoje da política relacionada à exportação do pau-brasil no período colonial?

PAU DURO

O pau-brasil, abundante no litoral, era usado para tingir algodão e lã e foi declarado monopólio real da Coroa Portuguesa. As feitorias, que pagavam a “vintena do imposto”, exploravam os índios submetidos a cruel sistema de trabalho e predavam a Mata Atlântica.

Os navios regressavam a Portugal carregados de toras da árvore que tinha dois nomes em línguas indígenas: ubiratã (pau duro) grafado como orabutã, segundo o frade francês André Thevet e ibirapiranga (pau vermelho) no dizer de Handelmann, historiador alemão do séc. XIX. No entanto, os portugueses, que conheciam árvore semelhante nas Índias Orientais “com cor de brasa”, a denominaram de pau-brasil.

A nova região da América batizada pelos reis católicos de Terra de Vera Cruz ou Terra de Santa Cruz ficou conhecida pelo mundo comercial europeu como Terra do Pau-Brasil, logo encurtado para Brasil, nome que substituiu o pau-duro e o pau-vermelho dos índios e a santa cruz dos portugueses, caídos no esquecimento como aprendemos desde o ensino fundamental.  Prevaleceu assim a denominação do mercado, considerada por alguns autores como “inspirada pelo demônio, pois a miserável madeira não compensa o sangue derramado para a salvação de nossas almas”.

De olho neste comércio, os navios franceses começaram a piratear o pau-brasil. Portugal protestou. Mas diante do fracasso das negociações diplomáticas com a França, a pólvora substituiu a saliva, não foi, Ernesto? Não, não naquele momento. E é aqui que entra Diogo de Gouveia, teólogo e padre, reitor do Colégio Santa Bárbara em Paris, que era uma espécie de embaixador de Portugal na França. Ele recomenda ao D. João III que controle e fiscalize a faixa costeira, criando ali povoações, o que foi feito, dando origem às capitanias hereditárias.

A grande lição para os dias atuais é que, se queremos abortar a compra de madeira ilegal, temos que impedir a sua venda – o que é incumbência do Estado brasileiro. Basta um rígido controle pelos órgãos fiscalizadores da administração federal, multas e punição exemplar para os criminosos, que só pensam em enriquecer, destruindo a floresta em prejuízo do Brasil e do planeta, como já sinalizava o “pai da historiografia brasileira”, Frei Vicente do Salvador, nascido na Bahia em 1564:

Uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída. Donde nasce também que nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular. A primeira coisa que ensinam é: papagaio real para Portugal, porque tudo querem levar para lá.

 O TRAPACEIRO E O VASELINA

 Portugal se lixava para a vida dos índios e da floresta.  Queria enriquecer. D. Manuel, o Venturoso e D. João III, o Piedoso, usaram na monarquia mecanismos de fiscalização, o que na “república” não fizeram Jair, o Trapaceiro, e Mourão, o Vaselina. Hoje é possível rastrear a madeira através da análise das moléculas de hidrogênio, e enxofre, que identifica a origem do material.

Apesar disso ficou mais fácil desmatar a floresta depois que, em fevereiro, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, dispensou a necessidade de autorização específica para que empresas de outros países importassem madeira extraída no Brasil. Quem discordou da medida foi André Teixeira, coordenador do monitoramento do uso da e comércio exterior que, por isso, foi demitido por Ricardo Salles, “ministro do desmatamento”. Além disso, agentes do órgão foram proibidos de punir os madeireiros infratores. Enfim, a “boiada passou”, aproveitando a pandemia do coronavírus.

Há dois meses o Exército brasileiro realizou a Operação Amazônia, com 3.600 militares e o uso de viaturas, aviões, helicópteros, balsas, barcos regionais, ferry-boats, além de canhões, metralhadoras, morteiros, obuses e munição, numa megaoperação, cujo custo oficial foi de R$ 8,9 milhões.

Essa bufunfa toda foi gasta para impedir crimes ambientais? Não. Foi uma mera simulação de guerra entre o “país azul” contra fantasmagóricas tropas estrangeiras do “exército vermelho” invasor. Uma brincadeirinha cara que ignorou o desmatamento.

Se Jair, o Trapaceiro, sabe quem comprou madeira ilegal do Brasil, por que não denunciou os compradores e puniu os vendedores? Por que não informou que, em 2019, apenas o percentual de 0,02% das toras foi exportado para a Europa? Que a maior parte dessas madeiras seguem para as serrarias e se destinam ao mercado interno, não à exportação? Se continuar o desmatamento da Amazônia, o grito do Exército vai mudar de “selva” como é hoje para “deserto” – comentou alguém nas redes sociais.

“Para mim não há no Brasil. Há nos onde morei” – diz Mourão, o Vaselina, vice-presidente da República. Portanto, a discriminação sofrida no Brasil pelas “pessoas de cor” – como ele denomina – é um tratamento correto e não deve ser combatida, porque não se combate o que não existe.

É isso que eles querem: barrar a luta antirracista. Mourão só faltou acrescentar a fala do comerciante português da rua do Acre, no Rio, que, entrevistado por um jornalista americano, confirmou: “No Brasil não há racismo como nos Estados Unidos. Aqui, graças a Deus, o preto reconhece o seu lugar”.

Jair, o Trapaceiro, diz que os protestos do movimento antirracista contra assassinatos covardes é que são responsáveis pela . Ele considera vandalismo o quebra-quebra promovido por pessoas revoltadas com a lentidão e às vezes conivência do Poder Judiciário para punir criminosos fardados ou não. Mas se cala diante de mais um negro assassinado.

Quando Preta Gil indagou a ele como reagiria se um dos zeros filhos seus namorasse uma negra, ele respondeu: “Preta, eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”. Muito bem educados: Queiroz e as rachadinhas que o digam.

Vergonha e indignação por ser governado por quem é racista, homofóbico e se gaba de ser contrário à ciência. Queremos Estadistas. Já não importa se são de . Estadistas e não a escória e os dejetos do Brasil que flutuam na arena do poder.

P.S. Tentei trocar o tema da crônica. Não deu. Não sai palavra. Só palavrão. João Alberto, assassinado no Dia da no mercado Carrefour de Porto Alegre, pode descansar em paz. Nós não descansaremos enquanto o crime racista não for exemplarmente punido.

José Ribamar Bessa Freire. Professor Universitário. Cronista, em http://www.taquiprati.com.br/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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