Lula na COP 27: protagonismo ambiental e desmatamento zero
A eleição de Lula presidente da República pela terceira vez significa para a maioria do povo brasileiro a possibilidade de reverter a crise econômica, social, política, cultural e ambiental que vive o país desde 2014 e superar essa condição de guerra continuada de uma minoria contra a maioria comandada pelos governantes durante o quadriênio 2019–2022…
Por Gilney Viana
Essa percepção parece permear as manifestações de lideranças internacionais em duas dimensões imediatas: pela oportunidade e contundência do reconhecimento da lisura do pleito e da vitória de Lula, condenando implícita ou explicitamente qualquer aventura golpista dos derrotados; e, sem maiores delongas, reintegrando Lula, e o Brasil sob a sua virtual direção, nas negociações globais sobre a emergência climática.
O convite para Lula participar da COP 27 no Egito, feito pelo governo daquele país, que preside a conferência, embora extraordinário, nos pareceu justificado, por duas razões: o sucesso do seu governo anterior na área ambiental que o credenciou como protagonista internacional e sua declaração solene de buscar, neste novo mandato, o desmatamento zero da Amazônia – fundamental para atingir e superar as metas nacionais de redução de CO2e, assumidas no Acordo de Paris. Vejamos a dimensão deste desafio e a sugestão de estratégias para superá-lo.
DESMATAMENTO E AGROPECUÁRIA LIDERAM
EMISSÕES BRASILEIRAS DE CO2e
Segundo o MapBiomas, a cobertura natural florestal e não florestal (basicamente, campestre, representando 9% do total) convertida em pastagens plantadas e agricultura no período de 1990 a 2021 soma 69,1 milhões de hectares, dos quais 39,4% em pastagens plantadas e 54,2% em agricultura (e ainda 6,06% para Silvicultura e mosaico de usos).
Esse desmatamento gerou diretamente 56,76% das emissões totais de CO2e no período de 1990–2021 (Setor Mudança de Uso do Solo e Floresta) e, indiretamente, 22,13% das emissões totais do mesmo período (Setor Agropecuária).
Em relação às emissões indiretamente produzidas, explico. Cerca de 27,2 milhões desses 69,1 milhões desmatados foram transformados em pastagens para bovinos que, pelos seus arrotos e dejetos, emitiram 73,1% do total de emissões do Setor Agropecuária; e os restantes 37,4 milhões de hectares ocupados pela agricultura geraram 26,9% de emissões, em função, basicamente, do manejo do solo.
Uma vista rápida da evolução das emissões neste período mostra que houve uma tendência a redução da participação relativa das emissões do setor Mudança do Uso do Solo e Floresta, atingindo seu menor porcentual em 2009, quando do governo Lula, e voltando a se elevar no governo Bolsonaro, refletindo a política permissiva e leniente (também conhecida como “passar a boiada”) que possibilitou uma curva ascendente da taxa de desmatamento na Amazônia (com taxas anuais de desmatamento acima de 10.000 km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE) e, por consequência, das emissões de CO2e.
Emissões de CO2e por Setor, em 1990, 2009 e 2021
DESMATAMENTO ZERO, PROPOSTO PELO PRESIDENTE LULA
Em Carta Para o Brasil do Amanhã, datada de 27 de outubro de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva explicitou: “Nosso compromisso estratégico é buscar o desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica”.
Como vimos, o desmatamento da Floresta Amazônica contribui com quase 50% do total das emissões de CO2e do Brasil. Sua redução em curto prazo ao zero absoluto exigiria uma moratória por alguns anos, o que seria ideal.
Ainda que se adote a meta de zero líquido (o que implica em só autorizar desmatamento de uma área se houver reflorestamento em outra área capaz de reter a mesma quantidade de CO2e emitida, mesmo que não seja ao mesmo tempo) será significativo porque levará o país a cumprir as metas nacionais assumidas perante o Acordo de Paris e ultrapassá-las, tornando o Brasil credor em seu balanço de carbono.
Seja qual for a opção (zero absoluto ou zero relativo) a experiência histórica indica uma estratégia que combina três linhas de ação:
Primeira, o incentivo às boas práticas de convivência com a floresta em pé, tanto aos grandes proprietários e empresários quanto à agricultura familiar e comunidades tradicionais;
Segunda, ações coordenadas de comando e controle, envolvendo licenciamento, monitoramento, fiscalização e combate às ilegalidades e crimes ambientais; e Terceira, a elevação para um novo patamar político-administrativo da gestão das Áreas Protegidas: Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas, que passa pelo reconhecimento, demarcação e registro e defesa de suas respectivas integridades e, o que é mais importante, o reconhecimento político do protagonismo dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
Mas, para isso, é necessário que o novo governo implante desde o primeiro dia uma série de medidas dirigidas para viabilizar uma política nacional de mudança climática que supere a visão burocrática das experiências anteriores e destrave as amarras colocadas pelo governo atual. Destacaria três blocos de medidas imediatas:
Primeiro, reestruturar e reempoderar as instituições do Estado executoras da política ambiental (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Sisnama etc.), recuperando suas respectivas autonomias e colocando-as sob a direção de pessoas competentes e valorizando os seus quadros.
Segundo, sem prejuízo do protagonismo do Ministério do Meio Ambiente, criar estruturas paralelas de coordenação de todos os ministérios e instituições para atuarem de forma convergente para o enfrentamento da emergência climática (incluindo parceria com governos estaduais, municipais e instituições privadas).
Terceiro, reconhecer oficialmente que atravessamos uma situação de emergência climática que exige a combinação de medidas de curto, médio e longo prazos – e uma estratégia de conscientização e mobilização da sociedade para enfrentá-la. O desmatamento zero pode ser o começo… e não o fim.
Gilney Viana – Escritor. Ambientalista. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.