Culpado por ter nascido (ou oficina para uma condenação anunciada)
Por Pedro Tierra
Sob a toga a mão sinistra lavra a sentença previamente redigida a ferro e fogo desde séculos entalhada nas tábuas invisíveis do costume:
“-Aqui não haverá
contemplação
com a rebeldia de quem
contra esta ordem se levanta,
em nome do rebanho dos
malditos,
deserdados da raça e da fortuna”.
A majestade da toga
finamente recortada
pela tesoura das noites e dos
dias,
perfeita para encobrir
o cadáver da Justiça
e garantir a ordem natural das
coisas:
esse doce domínio erigido
sobre os ossos dos
Chego como um negro
ante o tribunal dos brancos
e aprendi
da vasta vida que provei:
quando um negro é posto a ferros
e conduzido ao tribunal dos
brancos,
a Justiça,
silenciosa,
se afasta pela porta ao lado…
Armou-se às pressas um tribunal
para julgar
o destino dos invisíveis.
Porque ergui diante do país
um espelho enterrado.
Afastei o pó e a lama
pelo tempo ali depositados
e revelei um cara
que não queríamos conhecer.
De tanto repetir-me
diante da luz
que cega o país,
tornei-me esse espelho
que atormenta
o sono dos escravocatas.
Sou o rosto dos invisíveis
que invadiu os espaços
dos aeroportos
mas não ocupou
o silêncio seminal
das bibliotecas…
Porque sou o rosto
da multidão dos saqueados,
estou aqui.
Porque sou a reinvenção
do arco-íris,
estou aqui.
Porque sou o rio
da esperança que espanta
o agreste e a caatinga,
estou aqui.
Porque sou o sal que sonhei
para nutrir a vida do eu povo,
estou aqui.
Porque sou a impossível
tempestade
que forçou os alicerces da Casa Grande,
estou aqui.
Subo ao patíbulo
e levo comigo
os juízes que me condenam.
Brasília, véspera de 1 de maio de 2018
Foto: Ricardo Stuckert
Pedro Tierra – Poeta Revolucionário.
NOTA DA REDAÇÃO: A matéria foi publicada originalmente em 1º de maio de 2022. Lula, agora Presidente da República, é um símbolo da retomada da democracia e fortalecer as agendas combativas da democracia é um exercício diário. Reunificar e reconstruir o Brasil é a nova tarefa da militância que ousou gritar: LULA LIVRE!