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Culpado por ter nascido

CULPADO POR TER NASCIDO

Culpado por ter nascido (ou oficina para uma condenação anunciada)

Por Tierra 

Sob a toga a mão sinistra lavra a sentença previamente redigida a ferro e desde séculos entalhada nas tábuas invisíveis do costume:

“-Aqui não haverá

contemplação

com a rebeldia de quem

contra esta ordem se levanta,

em nome do rebanho dos

malditos,

deserdados da raça e da fortuna”.

 

A majestade da toga

finamente recortada

pela tesoura das noites e dos

dias,

perfeita para encobrir

o cadáver da Justiça

e garantir a ordem natural das

coisas:

esse doce domínio erigido

sobre os ossos dos

insubmissos

 

Chego como um negro

ante o tribunal dos brancos

e aprendi

da vasta que provei:

quando um negro é posto a ferros

e conduzido ao tribunal dos

brancos,

a Justiça, 

             silenciosa,

se afasta pela porta ao lado…

 

Armou-se às pressas um tribunal

para julgar

o destino dos invisíveis.

Porque ergui diante do país

um espelho enterrado.

 

Afastei o pó e a lama

pelo ali depositados

e revelei um cara

que não queríamos conhecer.

 

De tanto repetir-me

diante da luz

que cega o país,

tornei-me esse espelho

que atormenta

o sono dos escravocatas.

 

Sou o rosto dos invisíveis

que invadiu os espaços

dos aeroportos

mas não ocupou

o silêncio seminal 

das bibliotecas…

 

Porque sou o rosto

da multidão dos saqueados,

estou aqui.

 

Porque sou a reinvenção

do arco-íris,

estou aqui.

 

Porque sou o rio

da que espanta

o agreste e a ,

estou aqui.

 

Porque sou o sal que sonhei

para nutrir a vida do eu ,

estou aqui.

 

Porque sou a impossível

tempestade

que forçou os alicerces da Casa Grande,

estou aqui.

 

Subo ao patíbulo 

e levo comigo

os juízes que me condenam.

, véspera de 1 de maio de 2018

Culpado por ter nascidoFoto: Ricardo Stuckert

pedro tierra

Pedro Tierra – Poeta Revolucionário. 

NOTA DA REDAÇÃO: A matéria foi publicada originalmente em 1º de maio de 2022. , agora Presidente da República, é um símbolo da retomada da democracia e fortalecer as agendas combativas da democracia é um exercício diário. Reunificar e reconstruir  o Brasil é a nova tarefa da militância que ousou gritar: !

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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