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Emir Sader: Minha visita a Lula

Emir Sader: Minha visita a Lula

A última vez que eu tinha estado com o Lula era quando ele tinha se despedido de cada um de nós, para ser levado para a Polícia Federal em Curitiba. Nos meses anteriores eu tinha convivido como nunca com ele, nas quatro Caravanas, de agosto de 2017 a março de 2018.

Quando terminamos vitoriosamente a Caravana do Sul, com uma grande concentração em Curitiba (o Bolsonaro foi à cidade, prometeu que faria um comício maior no dia seguinte, mas só havia oito pessoas.) Aí a acelerou sua estratégia: o STF rejeitou na semana seguinte o habeas corpus do Lula e no dia seguinte saiu a prisão do Lula.

Um ano e quatro meses depois, pude reencontrar o Lula. Entrar nesse edifício odioso em que o têm como preso político. Foi preciso fazer os trâmites de identificação, de controle das coisas com que se entra, até que o Superintendente da PF nos chamou, ao ex-vice-presidente da Argentina Eduardo Duhalde e eu, porque queria nos conhecer. Nos sentamos à mesa e eu não deixei que ele fizesse qualquer discurso protolocar.

Logo tomei a palavra e disse: “Estamos contentes de ver o Lula, mas muito constrangidos porque ele está preso e condenado sem provas, é um preso político, que deveria estar na presidência do . Ele vai sair e voltará à presidência do país”. Aí terminou brevemente a conversa e nos levaram ao terceiro andar, onde Lula está.

 

Primeiro nos mostraram o pátio onde o Lula pode tomar sol. Depois fomos encontrar o Lula. Nem bem nos viu, houve abraços e beijos, e ele imediatamente nos disse: “Já viram um preso tão contente como eu? Porque estão sendo desmascarados todos esses canalhas”. E se pôs a fazer um cafezinho para nos oferecer.

O local onde ele está tem um banheiro na entrada, à direita. Depois, uma janela grande no fundo, que não se abre, mas ilumina. Uma cama à , com uma TV nos pés, em que ele pode ver TV aberta e projeta coisas que são mandadas gravadas para ele. (Ele nos mostrou Grandola na tela).

Depois uma mesinha com café e biscoitos, uma mesinha no centro, onde nos sentamos para conversar, um armário na parede oposta e uma estante cheia de livros. Tem um aparelho de calefação ao lado da cama. Do lado oposto da cama, a esteira, em que ele anda nove quilômetros todos os dias.

Parece que estivemos conversando no dia anterior, é o mesmo Lula que conhecemos sempre. Fala muito, pergunta muito, ouve muito, fala sério, brinca, ri. Se mostra preocupado não apenas com a destruição do Brasil, indignado com sua situação pessoal de preso político há um ano e quatro meses, impedido de ser candidato, eleito e voltar a ser presidente do Brasil. (Ele tem clareza total que a Lava Jato tem esse objetivo).

Mas preocupado com que se consiga muito maior mobilização popular: “Todo dia o governo nos dá novas razões para nos mobilizarmos”. Segundo ele, se deve sair todos os dias às ruas, com grupos de sindicalistas, de estudantes, de militantes, para conversar com o povo onde o povo está, nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho.

Embora não vislumbre uma saída pela via jurídica, o Lula acha que vai sair e voltar pra luta aqui fora, tenho a impressão com a vontade de retomar o caminho de ser candidato de novo. Mas reafirma, mais do que nunca, que só sai com sua inocência reconhecida.

Lula agradeceu a visita do Duhalde e reiterou o reconhecimento pela visita do Alberto Fernandez, sabendo que a direita exploraria a visita. Conversou-se muito sobre a situação da América Latina, o desmanche do processo de integração regional, a situação na Argentina, na Venezuela, na Bolívia.

Lembraram que a primeira visita do Lula ao exterior, assim que foi eleito, em 2002, foi à Argentina, recebido pelo Duhalde, o primeiro presidente com o qual ele se encontrou. Duhalde lhe disse que o próximo presidente da Argentina seria um governador pouco conhecido, Nestor Kirchner, com o qual o Lula manteria uma profunda amizade e parceria política.

Lula retomou a análise de como foi se constituindo o golpe e todo o processo de perseguição ao PT e a ele. Da quantidade de horas de televisão, de capas de revistas, de páginas de jornais, para atacá-lo. E não conseguiram nem destruir o PT, nem sua imagem junto ao povo brasileiro.

Ele contou como é seu cotidiano lá dentro, o tempo que ele dedica à leitura e a escrever, como se dedica à reflexão e como esse tempo de solidão lhe permite amadurecer as coisas, refletir sobre tudo o que viveu e sobre como superar as dificuldades atuais.

Ficamos uma hora e meia, meia hora a mais do que é previsto. Pude avançar várias coisas de trabalho com o Lula. Mas em um momento tivemos que nos despedir dele. Grande emoção de alegria na chegada, grande emoção de tristeza na saída. A vontade era pegar a mão do Lula e trazê-lo pra fora, dizendo a ele: “Vem Lula, teu lugar não é aí, sem liberdade, cercado por esses chacais. Teu lugar é lá fora, no meio do povo, que te espera”.

Nos despedimos do Lula, dizendo que queremos reencontrá-lo aqui fora. Ele faz uma falta incomensurável aqui fora. Além disso, o Lula precisa falar, ouvir, conversar com muita gente, todos os dias. Ele se alimenta disso.

Reencontrando, fica mais absurdo ainda que a única pessoa que pode dirigir a reconstrução do Brasil, baseado num governo para todos, em que cabem todos, pela restauração da democracia, seja vitima da mais absurda perseguição, está presa ilegalmente, enquanto quem comanda a destruição do país, ao invés de estar condenado e preso, esteja na presidência. O que mostra como o Brasil está de cabeça para baixo.

Mas contamos sempre com o Lula, o melhor de todos os brasileiros, quem expressa o que de melhor nós temos. Abracei-o por todos nós, com toda a consciência de que o é condição do resgate do nosso presente e do nosso futuro.

Reencontrar o Lula é um momento marcante na vida de cada um. Espero reencontrá-lo Livre, como ele e todos nós merecemos.

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Emir SaderEmir Sader – Sociólogo, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros.

 

 

 

 
 
 
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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