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Lula na Time: a dor de cotovelo e o vagalume

Lula na Time: a dor de cotovelo e o vagalume

Lula na Time: a dor de cotovelo e o vagalume

Por José Ribamar Bessa Freire/via Taquiprati

 Ai! Penicilina cura até defunto! / Ai! bruto faz nascer cabelo!

Mas ainda está pra nascer o doutor / Que cure a dor de cotovelo! Ai ai ai!

(Linda Batista: Marchinha da Penicilina, 1953)

Lula com postura de estadista na capa da Time, que lhe abriu várias páginas para uma longa entrevista concedida no final de março, deixou morrendo de inveja o Coiso e seus quatro zeros, assim como o general Heleno-se-gritar-pega-centrão. Afinal, a maior revista semanal do planeta atinge um público de mais de 26 milhões de pessoas no mundo inteiro. E nesta quarta-feira (4) antecipou a divulgação da fala de Lula na edição que vai circular somente na última semana de maio, o que prolonga a dor de cotovelo.  

– Ninguém cura dor de cotovelo – cantava Linda Batista nos anos 50.

De lá para cá muita coisa mudou. O marombado deputado Daniel Silveira, se quiser, pode implantar fios de cabelo em sua obscena careca sem usar petróleo bruto. Penicilina não cura defuntos, mas adiou muitas mortes, incluindo a do seu descobridor, o cientista britânico Alexander Fleming, da mesma forma que a , que matou mais 660 mil brasileiros, só não fez mais vítimas graças à vacina. E dor de cotovelo pode ser aliviada com boas psicanalistas como Maria Rita Kehl ou Vera Iaconelli. A ciência avança.

No entanto, de lá para cá, registramos também retrocessos. Hoje, o poder público no nega a ciência, proclama que “a terra é plana”, que “a vacina mata ou causa aids”, além de açular sua militância raivosa contra cientistas, artistas e promotores culturais e até para invadir hospitais e o STF. Estamos distantes dos tempos em que a ciência era respeitada pela totalidade da sociedade brasileira, até mesmo pela Zilá, irmã do Guilherme Porca-Vadia, lá do bairro de Aparecida, em .

Música e ciência

Quase morta, salva pela injeção de penicilina aplicada por dona Quinu, a Zilá celebrou a vida no carnaval de 1955. Eu tinha apenas oito anos, mas a vi, deslumbrado, requebrando o bumbum calipígio e cantando em plena folia na praça Bandeira Branca em frente à taberna do Jaime Esconde-Faca:   

– Ai! Pilicilina cura até defunto.

Penicilina ou Pilicilina não importa, os brasileiros confiavam na ciência, como asseveram Ildeu de Castro, doutor em Física com passagem pela Universidade de Paris VII e Luísa Massarani, pós-doutora pela Universidade de Londres:  

– “As relações entre ciência e música são muito profundas e têm suas raízes no próprio surgimento da ciência moderna. A música tem uma base física importante. Produtos científicos ou tecnológicos que impactam a sociedade são tomados como mote artístico, como na ‘Marcha da Penicilina' gravada por Linda Batista. Note que ela não crê que a ciência médica resolverá todos os problemas ‘doloridos' do ser humano” – escrevem eles no artigo “(En) canto científico: temas de ciência em letras da ”.

Mas revenons-en à nos moutons: a dor de cotovelo. O Coiso e seus seguidores coisificados enlouqueceram, vendo a Time proclamar no subtítulo que Lula, “O LÍDER MAIS POPULAR DO BRASIL BUSCA RETORNAR À PRESIDÊNCIA”O general Heleno-se-gritar-pega-centrão, surpreendido com a revista, cuja linha editorial sempre foi anti-comunista, arengou:

– A revista “menospreza a e a inteligência dos brasileiros de bem. Lamento que se enalteça e se dê espaço a quem tanto mal fez ao Brasil e, com seu Vice, canta o Hino da Internacional Socialista. Venceremos o mal.  

A inteligência dos brasileiros “de bens” é questionável. Vejam: a Time perdeu a credibilidade” postou o deputado federal, Eduardo Bananinha (PL-SP vixe vixe), o 01, investigado pela Policia Federal sobre financiamentos de atos antidemocráticos e disseminação de notícias falsas. A “Time é irrelevante” – comentou o jornalista Caio Blinder, que chamou de “piranhas” mulheres árabes no programa Manhattan Connection,

Os vagalumes

Parece que a revista não é tão irrelevante e desacreditada assim porque, roídos pela inveja, seguidores do Coiso fizeram montagem caricaturesca de várias capas da Time com fotos do 00, pai dos quatro zeros, divulgadas nas redes sociais e desmentidas por agências de verificação e pela própria revista. A primeira delas, em novembro de 2018, outra em 2021, uma terceira compartilhada pelo ex-ministro do , Ricardo Salles com o título de “Prêmio Nobel da Paz de 2022” (Por favor, não riam).

A Bíblia ensina que a inveja é uma armadilha do capiroto, na qual caem os que estão com o cotovelo dolorido. Por que eles mentem tanto? A resposta pode ser conferida na história do saudoso amigo Manoel Moura, escritor Tukano, que contou:

– Eram três vagalumes – Cuisi, Uiuári e Oán – perseguidos por uma cobra, a Iararacussu, que matou dois deles. Oán, o sobrevivente, cansado da longa perseguição, parou e, com voz de timbre rouco, negociou:

– Posso te fazer três perguntas?

– Talkey – disse a cobra curiosa.

– Por acaso você come vagalume? Faço parte da tua cadeia alimentar?

– Claro que não.

– Já te fiz algum mal na vida?

– Nunca.

– Então por que mataste meus companheiros e agora queres acabar comigo?

– Porque tu brilhas e eu não. Não suporto te ver brilhar, pô.

Tiroterapia

Meu amigo Tukano não esclareceu o que aconteceu com último vagalume. Na versão atual, só saberemos o destino dele e da cobra peçonhenta no dia 2 de outubro. Por enquanto, a serpente venenosa continua a destilar o veneno do ódio e da .

Enquanto o vagalume brilhava, o Coiso ordenava ao seu então secretário especial da , Mário Frias, desligado para se candidatar a deputado federal (PL-SP vixe vixe), que destinasse R$ 1,2 bilhão da Lei Rouanet para projetos pró-armas. Outro candidato a depufede pela Bahia (PL-vixe) , André Porciúncula, quando ainda ocupava o segundo cargo mais importante da Cultura no país – a Secretaria de Fomento à Cultura – se gabou na Convenção Nacional Pró-Armas (28/03/22):

–  “Pela primeira vez vamos colocar dinheiro da Rouanet em eventos de arma de fogo, vai ser super bacana isso”.

Navegando nessa onda, o deputado estadual Castello Branco (PL-SP vixe, vixe) apresentou no último 26 de abril projeto de lei criando a “Rota Turística do Tiro”, que engloba 34 cidades do estado de São Paulo. Segundo ele, trata-se de praticar “tiroterapia” e ensinar a atirar gente como o lobbypastorizado Milton Ribeiro, ex-ministro da , que poderá assim exercitar a sua pontaria desmoralizada no aeroporto de Brasília.

Como é que com tal visão sobre a ciência, a cultura e a educação, o Coiso e os Coisificados, que representam a barbárie, querem aparecer em capa de revista de circulação internacional? Nem revista anticomunista aceita esses trastes. O Brasil vai mesmo inaugurar um novo prato em sua culinária: polvbo com xuxu. 

P.S. – Ah, a Zilá morreu! A Linda Batista também, mas podemos ouvir sua voz. Para os que desconhecem a Marcha da Penicilina fica aqui o link:  https://www.youtube.com/watch?v=rpmu7QqOZDQ

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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