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Lula: O amigo do Acre

Lula: O amigo do Acre

Lula: O amigo do Acre pela voz do escritor Elson Martins retrata uma fatia da história do Acre, e destaca o importante de discurso de Lula na ocasião do assassinato de Chico Mendes. Um documento para história, que precisa ser lido e compartilhado!

Por Elson Martins

Ainda como líder metalúrgico na região do ABC paulista, em fins dos anos 1970, Luís Inácio Lula da Silva começou sua amizade com o Acre. De lá para cá, nunca deixou de participar dos acontecimentos sindicais e políticos que marcaram mudanças fundamentais na dos acreanos.

Em julho de 1980, participou em éia, na fronteira com a Bolívia, de um ato de protesto pelo assassinato do presidente do Sindicato dos Rurais , de tocaia, dia 21, a mando de fazendeiros. Ao discursar de um palanque improvisado na carroceria de um caminhão, Lula declarou: “Está na hora da onça beber água”!

O recado foi entendido pelos companheiros de Wilson que, ao retornarem para suas colocações de seringa, toparam no caminho com o capataz da Fazenda Nova Promissão, Nilo Sérgio, principal suspeito do crime, e meteram bala nele. O caldo engrossou e mais de 40 seringueiros foram presos pela Polícia Militar, enquanto Lula e outras lideranças como Chico Mendes e o delegado regional da Contag, João Maia, foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional do regime militar.

No dia 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi morto em condições semelhantes pelo peão Darcy Alves, a mando do pai fazendeiro Darli. Desta vez, Lula, na condição de deputado federal (PT), fez longo e polêmico discurso dentro da Igreja de Xapuri, ao lado do caixão do líder seringueiro durante o velório.

Como diretor da precária TV Aldeia (TV Educativa) na época, encaminhei a gravação em fita Umatic. Nas eleições de 1990 para o governo do Estado, o candidato Edmundo Pinto, do PDS (partido antecessor do DEM, hoje parceiro do candidato José Serra), ganhou do estreante Jorge Viana (PT) no segundo turno.

Preocupado com o destino que seria dado à fita na nova administração, favorável aos fazendeiros, tomei o cuidado de fazer cópia e levar comigo para o Amapá, onde vivi 13 anos, como assessor do governador João Alberto Capiberibe (1995-2002) e editor do jornal Folha do Amapá.

De volta ao Acre, em 2003, consegui fazer uma cópia digital dessa e de outras 33 fitas que passei para o acervo da Biblioteca da Floresta em 2008.

Agora, 22 anos depois, estou tornando público o conteúdo dessa fala histórica que marca a relação também histórica de Lula com o Acre, desde aqueles tempos tristes.

DISCURSO NO VELÓRIO (1988):

O Chico termina numa entrevista que ele deu ao jornal do Brasil dizendo o seguinte: “Eu quero ficar vivo para ajudar a salvar a Amazônia, eu não quero morrer, porque esse negócio de ato público depois da morte, esse negócio de grandes enterros acaba no dia seguinte”. Esse era o pensamento do velho Chico, há tempo, pois ele participou junto comigo do ato de ao companheiro Wilson Pinheiro, morto em Brasileia dentro do sindicato em 21 de julho de 1980, e falou isso (…).

Chico conseguiu juntar a bandeira do direito ao , do direito à vida dos trabalhadores desse Estado e dessa região com uma luta pela defesa do meio ambiente. Por quê? Porque preservar o meio ambiente para os trabalhadores que moram na região amazônica, preservar as árvores, preservar as castanheiras, preservar as seringueiras é, na verdade, preservar o direito do feijão e do arroz de cada criança dessa região.

Porque o gado traz riqueza pro dono do gado, mas não traz sequer carne para os companheiros que trabalham aqui. E o que o companheiro Chico queria? Ele queria pura e simplesmente que deixassem a mata, que era instrumento de sobrevivência de milhares e milhares de trabalhadores, em paz; que fossem plantar gado noutro lugar, criar gado noutro lugar, mas deixassem aqui a mata, as seringueiras, as castanheiras, pros trabalhadores sobreviverem.

Na TV Globo o doutor Romeu Thuma, a quem o Chico enviou várias cartas, dizia o quê? Que a culpa do que está acontecendo aqui é da Polícia Militar… Mas nós precisamos dizer que a culpa não é apenas da polícia militar, a culpa é de todos eles juntos: é da polícia federal, é da polícia militar, da justiça brasileira, da Presidência da República (José Sarney – PMDB), porque, quando eles inventam que vêm aqui desarmar o povo, quem que eles desarmam? Eles pegam a espingardinha de caçar preá do trabalhador e deixam os fazendeiros com metralhadoras, calibre 12.

O companheiro Chico não ganhou as eleições (Chico foi candidato a deputado estadual em 1982 e a prefeito de Xapuri em 1985), e alguns imaginavam que a partir daí fosse desanimar. Qual não foi a surpresa dele: ao invés de desanimar, a luta do companheiro Chico ganhou outra dimensão; ele começou a ser reconhecido por organismos internacionais, pelo Banco Mundial, pelo BID, pelo movimento ecológico do inteiro; começou a ser reconhecido, a ganhar prêmio, a viajar e a contar no mundo o que acontecia aqui; e começou inclusive a dar palpite, opinião sobre empréstimos que empresas estrangeiras ou bancos estatais iam fazer aqui, e por isso aumentou o ódio dos grandes proprietários contra o companheiro Chico. Aumentou o ódio a ponto de culminar com a morte dele no dia 22.

O quê que essas pessoas imaginam? Será que essas pessoas são tão burras que imaginam que, matando Chico Mendes, mataram a luta do Chico Mendes? Será que eles não percebem (aplausos), será que esses ricos não têm exemplo na história, será que eles não percebem que esses mesmos grupos de ricos mandaram matar Jesus Cristo há dois mil anos atrás? E o povo não esqueceu as ideias de Jesus Cristo. Será que esses mesmos não estão lembrados que foram eles que mandaram matar Tiradentes, esquartejar e colocar sua carne pendurada nos postes, para que o povo nunca mais se lembrasse quem era Tiradentes? 30 anos depois, o Brasil conquistou sua independência.

Eu queria dizer pra vocês uma coisa bem simples, pra cada um de vocês guardar na cabeça. Vocês conheciam bem o caboclo Chico, vocês sabiam bem o que Chico queria, vocês sabiam o que Chico dizia, vocês sabiam o que o Chico pensava. Pois bem, o que o companheiro Chico, que deve estar no céu nesse instante, espera de cada um? Ele espera que aumente a coragem e a disposição de luta de cada companheiro. Ele dizia sempre: no dia em que eu morrer meus companheiros vão se dobrar, cada um vai valer por 10 e a luta vai continuar.

E é isso que tem que acontecer (aplausos). Porque se agora houver, por parte dos trabalhadores e de todos nós, medo e preocupação, o quê que vai acontecer? Eles vão ficar rindo da vida e vão matar mais. O quê que nós deveremos esperar? Em primeiro lugar, nós achamos que o povo brasileiro quer justiça, e que a polícia prenda esses assassinos do companheiro Chico.

Se é verdade que esses dois sujeitos (Darli e Alvarino Alves) tinham 30 mil hectares aqui; se é verdade que eles eram bandidos em Minas e no Paraná e já vieram fugidos; se é verdade que aqui eles ficaram contratando grileiros e já mataram mais de um trabalhador, e se é verdade que essa propriedade deles pode até ser grilada…

O quê que deveria acontecer como atitude nobre do governo? O governo deveria desapropriar essa terra e dar para os trabalhadores rurais cultivarem, ao invés de deixá-las ficar nas mãos de bandidos e grileiros; porque, se o governo fizesse isso e cada fazendeiro que manda matar alguém perdesse sua terra, na verdade essas pessoas iriam ter medo de continuar matando trabalhador rural (…).

Nós precisamos dizer em alto e bom som: o governo precisa começar a investigar cada crime colocando policiais sérios pra fazer isso, porque nós sabemos que tem muitos policiais que são capachos de fazendeiros (aplausos) na cidade. É preciso que haja seriedade e vocês sabem, companheiros, pra terminar, que cada um de nós, tanto nós de São Paulo, como companheiros do Acre, de Rondônia, que chegaram aqui agora, sabemos que temos um compromisso sério: é não deixar a coisa agora esfriar, é não deixar, sabe, o que eles querem, que o povo esqueça o companheiro Chico Mendes.

Agora é que nós temos que mostrar pra eles que nós vamos fazer a luta do companheiro Chico Mendes ser conhecida nesse país. Agora que vamos arrumar solidariedade, não apenas pra dar sobrevivência para a companheira do Chico e de seus filhos, mas arrumar solidariedade pra dar ajuda concreta à luta dos trabalhadores que defendem a Amazônia, à luta dos trabalhadores que defendem o seringal, à luta dos trabalhadores que defendem a manutenção das castanheiras e à luta dos trabalhadores que brigam por .

A classe dominante tá ficando com medo, porque ela sabe que a classe trabalhadora tá amadurecendo; ela sabe que a classe trabalhadora tá tomando consciência, ela sabe que aqui hoje tá PV, PT, daqui a pouco chegam companheiros do PMDB, daqui a pouco chegam do PDT, sei lá, o movimento sindical… Ela sabe que tá crescendo a solidariedade e começa a ficar com medo.

Eu acho que é um compromisso dos partidos políticos progressistas, do movimento sindical, da CUT, da CGT, que a gente precisa transformar cada palavra do Chico numa profissão de fé por esse país aí afora. Daqui a pouco eles vão perceber que o que Chico falava aqui e era ouvido apenas pelos companheiros do sindicato dele vai ser discutido lá no agreste de Pernambuco, lá na Bahia, na de São Paulo (…).

Nós deveremos eleger o Chico, hoje, o símbolo da descrença desse governo, deveremos eleger o companheiro Chico hoje como o mártir da classe trabalhadora camponesa desse país, porque o que ele fez foi dedicar 44 anos da sua vida à luta pela liberdade dos trabalhadores.

A morte do Chico não foi o fim, ela foi o início da libertação da classe trabalhadora brasileira.

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Elson Martins conselho editorial

Elson Martins – Jornalista. Este registro antológico da amizade do com o Acre e, em especial, a transcrição do discurso de Lula no velório de Chico Mendes, foi publicado por Elson Martins no jornal Página 20, em 17 de outubro de 2010 e no blog Almanacre na mesma data – Lula: o amigo do Acre

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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