Silêncio guerreiro
Márcia Wayna Kambeba
No território indígena,
O silêncio é sabedoria milenar,
Aprendemos com os mais velhos
A ouvir, mais que falar.
No silêncio da minha flecha,
Resisti, não fui vencido,
Fiz do silêncio a minha arma
Pra lutar contra o inimigo.
Silenciar é preciso,
Para ouvir com o coração,
A voz da natureza,
O choro do nosso chão,
O canto da mãe d’água
Que na dança com o vento,
Pede que a respeite,
Pois é fonte de sustento.
É preciso silenciar,
Para pensar na solução,
De frear o homem branco,
Defendendo nosso lar,
Fonte de vida e beleza,
Para nós, para a nação!
Márcia Wayna Kambeba é uma geógrafa e escritora brasileira de etnia Omágua / Kambeba que se dedica ao estudo dessas identidades e seus territórios.
No seu trabalho literário, fica evidente o ativismo pelos direitos dos povos indígenas e a denúncia das violências que sofreram e continuam sofrendo.
Silêncio guerreiro é um poema de resistência pacífica, no qual o sujeito enumera os valores que lhe foram transmitidos pela sua cultura. Defende que, por vezes, é necessário estar em silêncio e ouvir o pedido de socorro da própria terra.
Na composição, o eu lírico afirma que é preciso manter a calma e refletir profundamente, buscando novas formas de resistir e preservar os territórios indígenas e suas riquezas naturais.
Fonte: Cultura Genial
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Índio eu não sou
Não me chame de “índio” porque
Esse nome nunca me pertenceu
Nem como apelido quero levar
Um erro que Colombo cometeu.
Por um erro de rota
Colombo em meu solo desembarcou
E no desejo de às Índias chegar
Com o nome de “índio” me apelidou.
Esse nome me traz muita dor
Uma bala em meu peito transpassou
Meu grito na mata ecoou
Meu sangue na terra jorrou.
Chegou tarde, eu já estava aqui
Caravela aportou bem ali
Eu vi “homem branco” subir
Na minha Uka me escondi.
Ele veio sem permissão
Com a cruz e a espada na mão
Nos seus olhos, uma missão
Dizimar para a civilização.
“Índio” eu não sou.
Sou Kambeba, sou Tembé
Sou kokama, sou Sataré
Sou Guarani, sou Arawaté
Sou tikuna, sou Suruí
Sou Tupinambá, sou Pataxó
Sou Terena, sou Tukano
Resisto com raça e fé
Os filhos das águas dos Solimões
A água é a mãe que sustenta
A vida que nasce como flor
Alimenta a planta e o ser vivente
É estrada onde anda o pescador.
Na enchente, vem veloz e furiosa
Derrubando ribanceiras e plantações
Afeta a vida do indígena e ribeirinho
É um ciclo, que se renova a cada estação.
Na vazante o rio quase some
E a praia começa a surgir
A água, agora bem calminha
Não tem forças para a roça destruir.
Nas margens de um rio em formação
Vive um povo que a água fez nascer
Em um parto de dor e emoção
Na várzea o Kambeba escolheu viver.
Mas em um contato fatal
Com um povo mais socializado
Fez dos herdeiros das águas
Um povo desaldeado.
Tomando seu solo sagrado
Sem dor, piedade ou compaixão
Os Kambebas foram escravizados
Apresentados a “civilização”
Exploraram a sua força
Forjando uma falsa proteção.
Território ancestral
Maá munhã ira apigá upé rikué
Waá perewa, waá yuká
Waá munhã maá putari.
(tradução)
O que fazer com o homem da vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?
Do encontro entre o “índio” e o “branco”
Uma coisa que não se pode esquecer
Das lutas e grandes batalhas
Para o direito a terra defender.
A arma de fogo superou minha flecha
Minha nudez se tornou escândalo
Minha língua foi mantida no anonimato
Mudaram minha vida, destruíram meu chão.
Antes todos viviam unidos
Hoje, se vive separado.
Antes se fazia o Ajuri
Hoje, é cada um para o seu lado.
Antes a terra era nossa casa
Hoje, se vive oprimido.
Antes era só chegar e morar
Hoje, o território está dividido.
Antes para celebrar uma graça
Fazia-se um grande ritual.
Hoje, expulso da minha aldeia
Não consigo entender tanto mal.
Como estratégia de sobrevivência
Em silencio decidimos ficar.
Hoje nos vem a força
De nosso direito reclamar.
Assegurando aos tanu tyura
A herança do conhecimento milenar.
Mesmo vivendo na cidade
Nos unimos em um único ideal
Na busca pelo direito
De ter nosso território ancestral.
O que fazer com homem na vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?





