Marias 3

Marias 3

Marias 3

Após a história de A, minha amiga Promotora nos disse que conhecia muitas histórias como a dela, mas nem sempre as tinham essa mesma atitude, porém reconhecia que na maioria das vezes não resultava em separação, o comum era se manterem no casamento porque o preço social e financeiro é muito caro para o feminino…

Por Giselle Mathias

Ela resolveu nos contar a história de uma amiga, a qual teve seu total apoio em um momento muito difícil de sua , mas que infelizmente quando passava dificuldades não encontrou o aconchego da amizade nos ombros de Maria B, a qual preferiu o afastamento e ignorar a cumplicidade da amizade que a Promotora sempre lhe dedicara.

A história de Maria B ocorreu há dez anos e minha amiga não teve mais notícias dela. Após a separação da Promotora de seu segundo marido, as duas se afastaram e perderam contato, isso deve ter uns oito anos, mas ela se recorda bem de todo o sofrimento da sua amiga e como sofrera junto. Disse que sente falta dela e como gostaria de compreendê-la, e até ouvir a história de Maria A, não entendia a decisão que tomara em permanecer naquele casamento, talvez agora lhe fosse possível.

Maria B tinha quase trinta anos quando engravidou de trigêmeos, havia feito tratamento para engravidar porque descobrira ter um problema que dificultava a realização do seu desejo de ser , e para evitar inúmeras tentativas que tinham um grande potencial de fracasso, ela e seu marido decidiram pela inseminação artificial.

Após algumas tentativas, ela conseguiu o que tanto almejava, estava grávida e a família tão sonhada estaria formada. Em razão dos problemas que tinha a gravidez continha um grande risco para ela e os bebês, por isso o repouso absoluto foi recomendado, os esforços deveriam ser mínimos para evitar qualquer contratempo. Ela passava seus dias, semanas e meses deitada em sua cama, para auxiliá-la apenas a trabalhadora doméstica, que neste período passara a dormir em sua casa para melhor atendê-la. Parece que o marido não tinha muita disposição de cuidar da esposa que precisava de toda a atenção, carinho e cuidados para que o sonho de ambos se realizasse; a família perfeita!

O período de repouso para Maria B era cansativo mental e fisicamente, mas sentir o crescimento dos filhos em seu ventre compensava todo aquele sacrifício. No entanto, após o quinto mês de gestação e apesar de todos os cuidados veio a triste notícia em um exame de rotina; não se escutava os batimentos cardíacos, os trigêmeos não conseguiram resistir. Ela ficou mortificada com a notícia, chorou compulsivamente, a dor em seu peito era tamanha que lhe faltava o ar, sentia-se culpada como se tivesse deixado de fazer algo; questionava o que poderia ter feito em sua vida para que merecesse um castigo tão grande, como se em algum momento tivesse desagradado ou cometido um crime contra Deus.

O marido tentava lhe acalmar e dizia que tentariam novamente, e que deveriam se resignar ao destino e a vontade divina. Após a notícia Maria B foi internada para que se fizesse o procedimento cirúrgico de retirada dos fetos; antes de ir à sala de cirurgia uma oração para agradecer pela experiência vivida e o pedido que pudesse mais uma vez engravidar; ela é levada e depois de algumas horas, ainda convalescendo da cirurgia, o médico entra em seu quarto e lhe dá mais uma notícia que a destroçara por completo. Ela não poderia mais engravidar, seu problema era muito grave e por este motivo seu útero precisou ser retirado.

Aquela notícia a desesperou, desejava a , achou que sua vida não faria mais sentido se não pudesse ser mãe; estava arrasada. O marido a consolou e pediu para que se acalmasse e que deveria se conformar com o que havia destinado a ela.

A alternativa que ela encontrou foi agarrar-se a sua religiosidade e aceitar o que lhe acontecera. Após dois dias saiu do hospital e retornou a sua casa, com dor no coração e muita tristeza dobrou todas as roupinhas de bebê e sentou-se na cadeira de balanço que comprara para velar o sono de seus filhos quando estes chegassem; o choro compulsivo e a falta de ar mais uma vez se fazem presente e dessa vez ela foi consolada por sua funcionária que havia se dedicado aos seus cuidados quando se encontrava grávida.

Depois de uma semana da tragédia vivida por Maria B, enquanto tentava retomar sua rotina e superar toda a tristeza, sua funcionária diz que precisa lhe contar algo, não podia mais esconder o que lhe seria mais um golpe.

Ela lhe disse que estava grávida de quatro meses e o pai de seu filho era o seu patrão, o marido de Maria B.

O caso iniciou-se quando ela estava de repouso e não poderia por sua condição ter relações sexuais, o marido passara a ir ao quarto da funcionária todas as noites, sugeriu a ela que ele poderia ajudá-la se cedesse aos seus desejos, os quais a esposa não poderia atender, como ela bem sabia. No início ela resistiu, mas o ele lhe ofertava a ajudaria a melhorar sua condição de vida.

Não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a atitude da funcionária, porque não sei o que ela passava naquele momento, a ausência de possibilidades e oportunidades para que pudesse resolver suas questões sem ter que se sujeitar aos impulsos sexuais daquele homem. O que me foi dito sobre essa parte da história é que ela acreditava que Maria B nunca descobriria, e sua situação se resolveria, mas veio o infortúnio, a gravidez que não desejava.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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