Marujada anima o carnaval do Acre
Domingo de Carnaval. Noite abafada aqui no Goiás. Café pronto para a longa noite de desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Do Acre, chegam vídeos da amiga Júlia Feitoza Dias na Marujada Brig. Esperança, famosa nas terras do Aquiry
Por Zezé Weiss (de Formosa, Goiás) e Marcos Jorge Dias (de Rio Branco, Acre)
É bonita, a festa da Marujada. O enredo, dramático, pungente e lindo conta a história da sofrência de negros e negras durante a travessia do Atlântico em navios negreiros para a vida como seres humanos escravizados em território brasileiro.
O rito, que mescla rezas com danças guerreiras em comunidades de afrodescendentes Brasil afora desde o século XVII, chegou ao Acre em meados da década de 1940, trazida de Manaus (onde já existia desde os anos 1930), por um mestre manauara. Não se sabe ao certo a razão, mas o festejo deixou de acontecer por um bom tempo.
“É uma tradição negra. Relata um contratempo de um navio negreiro em pleno mar. Perdidos no meio de uma grande tempestade, os navegantes rogam a Nossa Senhora Aparecida, uma santa negra, regente dessa brincadeira, que salve o navio do tempestade. É por isso que os os marujos e marujas rezam o terço durante as cerimônias da Marujada,” conta Patricia Helena, coordenadora do grupo Marujada.
Patrícia Helena, Coordenadora da Marujada
Renovada em 2013 por artes do seringueiro Aldenor da Costa Souza, hoje com seus 79 (este ano ausente dos festejos por questões de saúde), a Marujada Brig. Esperança, uma das únicas marujada do Norte, que se apresenta no Carnaval, continua firme e forte.
“Neste último grupo, criado por seu Aldenor há oito anos, somos mais ou menos 16 pessoas, contando com os músicos. O Mestre Aldenor da Costa, um dos únicos representantes dessa tradição da Marujada acreana, que começou com nove anos, continua nos guiando na encenação deste auto, que tem a valsa, tem o coco, tem a marcha, e tem um tipo de samba tradicional, que mistura as cúmbias peruanas com os ritmos indígenas e nordestinos, mas compassado, único aqui do Acre,” relata Patrícia Helena.
Júlia Feitoza Dias, Brincante da Marujada
Zezé Weiss – Jornalista. Marcos Jorge Dias – Jornalista. Colaborou: Maria Letícia Marques. Imagens e vídeos enviados por Marcos Jorge Dias, desde a Casa de Leitura da Gameleira, em Rio Branco, Acre.
MARUJADA BRIG ESPERANÇA – CIFRAS E LETRAS
As Marujadas são manifestações culturais formadas desde o Brasil colônia que reúnem diversas matrizes
étnicas onde se unem diversas linguagens artísticas para contar histórias como as cruzadas, a diáspora
africana e devoções afro brasileiras. Estão presentes desde o Sudeste até a região Norte, chegando ao Acre, no município de Cruzeiro do Sul em meados dá década de 1940.
Por Alexandre Anselmo, via Jaycelene Brasil
Quem trouxe desde Manaus foi o mestre Galego, originário de Manaus, Amazonas e partir dele surgiram
e se reinventaram dezenas de grupos de MARUJADA, que atuavam principalmente durante o carnaval.
Na década de 1950, ainda criança, Mestre Aldenor começou a participar da brincadeira e até hoje é a
referência mais antiga desta tradição acreana, que em seu processo de reinvenção, reuniram e deram
continuidade a elementos das tradições artísticas e memórias históricas dos povos migrantes e locais.
Destes, a musicalidade é predominantemente indígena, revelada pela forte versão internacionalizada
com os termos de Cumbia peruana, ou psicodélica, selvática, que assim como a música indígena acreana contemporânea, é uma linguagem própria dos povos dos tronco Pano e Aruak.
Do nordeste realiza o coco como dança e improviso, as memórias da barra ao além mar. Em 1910 com a
revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro, milhares de marinheiros foram condenados ao degredo num local chamado Sibéria, atualmente o município de Xapuri.
Através de música, danças e dramatização, o auto conta história de embarcação a vapor, que em viagem
no mar, passa por revolução contra o capitão, que ordena a tripulação a abandonar para a deriva, o
imediato, líder do motim. Este, joga uma praga que vem manifesta em tempestade, obrigando todos a
se reunirem e pedir perdão, findando com o reestabelecimento da ordem no grupo.
Com o êxodo ocorrido na década de 1970 no Acre, os mestres cruzeirenses Aldenor e Chico Bruno
refizeram a MARUJADA com seus conterrâneos na capital Rio Branco. A mesma também foi registrada na minissérie Amazônia e é patrimônio imaterial do Acre.
Em 2010 começamos uma parceria com a gravação em estúdio da manifestação de carnaval de Cruzeiro
do Sul conhecida por “Vassourinhas” para o CD coletânea “O baque do Acre”, publicado em 2012.
Em 2015 Mestre Aldenor foi condecorado com a Honra ao mérito Volta da empresa, pelo Estado do Acre.
Em 2014 demos início as gravações do álbum da Marujada Brig Esperança, através de apoio da Usina de Arte e Fundação Elias Mansour.
A partir de 2010 a Marujada volta a se reunir e apresentar com apoios diversos, seja de amigos como
Marcelo Pereira, através de projetos por editais e coletivo Rede Banzeiro, Fundação Garibaldi Brasil, e
atualmente a ong INE que ajudaram o folguedo a se reestruturar e estar de alguma forma presente nos carnavais.
Em maio de 2015, o mestre Chico Bruno morre, ainda no período de gravações do álbum que neste momento continua em processo de produção. As cifras e transcrições foram feitas a partir de gravação feita com estes mestres, e a ordem das chamadas “partes” ou músicas foi organizada de acordo com os mesmos.
Alexandre Anselmo
Rio Branco, fevereiro de 2020.