MIGUEL NICOLELIS: CIENTISTA TRANSPARENTE

MIGUEL NICOLELIS: CIENTISTA TRANSPARENTE

Miguel Nicolelis: Cientista Transparente 

Ele encontra tempo pra montar experimentos científicos em locais públicos, aproximando as ciências das pessoas comuns. Não deixa de comparecer a eventos em que é premiado com frequência por sua atividade como pesquisador ou pelos resultados que apresenta. E tampouco lhe falta tempo pra encarar bate-bocas nas redes sociais da Internet com gente como o jornalista Diogo Mainardi, de posições direitistas, contrárias às dele.

Por Jaime Sautchuk

Seu nome é Miguel Ângelo Laporta Nicolelis – ou apenas Miguel Nicolelis – paulista de nascimento, em 1961, formado em Medicina, com mestrado e doutorado em Fisiologia e Biofísica, professor e pesquisador de universidades no Brasil e nos Estados Unidos.

É conhecido no mundo inteiro como neurologista e cientista. No momento, ele coordena o Comitê Científico Consórcio Nordeste, criado pelos governadores dos nove estados daquela região com a função de gerir ações relacionadas à crise do Coronavírus.

No dia 7 de abril passado, ele foi o palestrante de videoconferência realizada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba) e tratou de diversos temas. “Brasil vive um estado de guerra e precisa conhecer a letalidade do inimigo”, disse ele ao se referir à crise do vírus. Expôs, ainda, os possíveis cenários de contágio, falou das ações do comitê para o combate ao vírus, ressaltou a importância dos sistemas públicos de saúde e defendeu uma restruturação das relações financeiras no mundo.

Ferrenho defensor da quarentena como arma capaz de derrotar o avanço do vírus no país, ele defende as recomendações de autoridades internacionais. “O distanciamento social é a primeira grande forma de defesa”, afirmou. “Precisamos conhecer o inimigo, como ele vai infectar um grande número de pessoas, como os dados já mostram, quais são as fraquezas dele e como podemos nos defender”.

IMPORTÂNCIA DO SUS

Em sua intervenção, o pesquisador disse também que a comunidade científica considera o modelo de vários cenários para o enfrentamento da doença no país, todos com perdas de muitas vidas. “No cenário mais brando, estamos falando de dezenas de milhares de óbitos, e no cenário mais grave, apocalíptico, estamos falando de algo que pode chegar a um milhão ao longo de vários meses”, observou. E lembrou que podemos contar com o apoio da China, já que os EUA não irão se preocupar com outras nações no momento.

Nicolelis ressaltou, também, a importância do modelo do Sistema Único de Saúde (SUS)  e defendeu a sua restruturação, com mais investimentos. Segundo ele, o funcionamento de programas fundamentais como o Mais Médicos e o Farmácia Popular fazia do SUS um patrimônio nacional.  E esses programas necessitam de financiamento.

O sistema de saúde da Inglaterra, que era um dos melhores do mundo, foi devastado pelas políticas neoliberais e cortes de verbas públicas”, relembrou.

Do mesmo modo, apontou o neurocientista, os Estados Unidos, que não possuem saúde pública, “vão pagar um preço altíssimo”.

Diante do quadro de gravidade da situação, Nicolelis, no entanto, se diz esperançoso com o futuro. “A primavera vai voltar; a gente tem uma sensação de que roubaram a primavera da gente, mas a gente não pode tirar a primavera de dentro de nós”.

TRAJETÓRIA

A todos que o procuram com indagações sobre suas ideias, ele logo avisa que é ateu, embora respeite as religiões. Sua mãe é a jornalista e escritora Giselda Laporta Nicolelis, que se dedica à literatura infanto-juvenil, com temática variada.

Diversidade é, de igual modo, uma das qualidades do filho. No Brasil, entre outros feitos, ele criou e coordenou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), no Rio Grande do Norte, onde pesquisa a transmissão de informações entre dois animais localizados em locais diferentes. Em 28 de fevereiro de 2013,ele e sua equipe conseguiram conectar dois ratos pelos sinais de seus cérebros.

Nos EUA, Nicolelis é Professor Titular de Neurobiologia e Engenharia Biomédica e codiretor do Centro de Neuro-engenharia da Universidade Duke, em Durham, onde desenvolve pesquisa correlata dessa de Natal. Ele foi pioneiro no desenvolvimento e implementação de um novo método neurofisiológico, conhecido hoje como gravações de crônicas, multissites com multieletrodos, abrindo uma nova área no estudo da neurofisiologia.

Em particular, esta nova área se concentra na medição da atividade neural simultânea e das interações de grandes populações de neurônios em todo o cérebro. Embora mais conhecido por seus estudos pioneiros na Interface Cérebro/Máquina e próteses neurais  em pacientes humanos e outros primatas, ele também desenvolveu uma abordagem interativa no estudo das doenças neurológicas e psiquiátricas, inclusive o Mal de Parkinson, epilepsia, esquizofrenia e transtornos associados à deficiência de atenção.

Trabalhou também no campo da plasticidade sensorial, do gosto, do sono, das recompensas e do aprendizado. Seus trabalhos influenciaram a pesquisa básica e aquela aplicada nas áreas de informática, robótica e engenharia biomédica.

 REFERÊNCIA

Em novembro de 2010, ele divulgou um documento de sua autoria intitulado Manifesto da Ciência Tropical: um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil.

Naquele documento, ele sugere que o Brasil se encontra diante de uma oportunidade única de potencializar seu desenvolvimento científico e educacional, através da cooperação entre ambos, e propõe quinze medidas necessárias para o país firmar-se como uma liderança mundial na produção e uso democratizante do conhecimento. O documento repete a ênfase na descentralização da produção científica e na aproximação entre pesquisa e escola, seguindo o exemplo do instituto de Natal.

Ele criou, também, a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) e o Instituto Santos Dumont (ISD), entidade que tem como proposta de trabalho o uso da ciência como agente de transformação social e econômica. É mais uma atividade que desenvolve, sempre com espírito crítico, polêmico, com personalidade forte e atuante. 

POLÊMICAS

Na abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014, que foi no Brasil, Nicolelis montou um espetáculo gigantesco pela dimensão dos componentes e pela ousadia da proposta. O evento foi transmitido via TV rigorosamente ao mundo inteiro. Tudo se justificava, segundo ele, pela oportunidade de mostrar ao mundo que no Brasil, além do esporte, se faz ciência e tecnologia também.

Um paraplégico de 29anos deu um “chute simbólico” em uma bola de futebol na abertura da Copa do Mundo do Brasil, utilizando o exoesqueleto, equipamento desenvolvido pela equipe de Nicolelis. O chute foi na Arena Corinthians, numa cena muito rápida. Integrantes do projeto “Andar de Novo” apareceram com o voluntário, que estava em pé e já utilizava o exoesqueleto. Ele deu um passo com a perna direita e movimentou a bola, recolhida por um ator mirim, caracterizado de árbitro de futebol.

Inicialmente, a equipe de cientistas havia divulgado que o voluntário caminharia alguns passos para dar o simbólico “chute inaugural” do campeonato. Mas a organização do evento reservou apenas 29 segundos ao chute, fato que foi criticado de pronto por Nicolelis.

            “A Fifa nos informou que nós teríamos 29 segundos para realizar um experimento dificílimo. Nunca ninguém fez uma demonstração em 29 segundos de robótica. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Foi um esforço dramático de todas essas pessoas que estão aqui. E nós realizamos em 16”, disse Nicolelis. O evento acabou gerando polêmicas na grande mídia e nas redes sociais, com críticas de jornalistas e esportistas, todas rebatidas pelo cientista.

            Em outras ocasiões ele encarou críticas com firmeza, sem correr da raia. Em 2007, por exemplo, Roberto Lent, Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acusou a equipe do IINN (presidido por Nicolelis e, à época, dirigido por Sidarta Ribeiro, seu pupilo e que definia o mentor como “o Pelé da Neurociência”) de “captar recursos públicos, correndo por fora dos canais abertos ao restante da comunidade científica”. Após resposta vigorosa de Nicolelis, que acusou Lent de ser “do contra” e fazer parte do grupo dos “que não fazem e não deixam fazer”, a Sociedade Brasileira de Neurociências entrou na contenda até a paz chegar.

Em 26 de julho de 2011, o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria relatando a cisão entre Miguel Nicolelis e seus colaboradores ligados ao pesquisador Sidarta Ribeiro. Versão recorrente no meio acadêmico dá conta de que a crise foi motivada por um crescente egocentrismo dos últimos, especialmente devido a críticas de Nicolelis relacionadas ao baixo impacto das pesquisas desenvolvidas por eles.

Em 2012, entrou em atrito com o colunista Reinaldo Azevedo, da revista Veja, sendo acusado por este de fazer lobby contra José Serra. Nicolelis, em uma rede social, teria tentado desqualificar Serra, afirmado que o político do PSDB seria defensor da frenologia.

INDICAÇÃO DO PAPA

Sem polêmicas, porém, Nicolelis foi nomeado pelo Papa Bento XVI como Membro Ordinário da Pontifícia Academia das Ciências. Fundada em 1603, em Roma, a Pontifícia Academia de Ciências foi a primeira academia científica do mundo, tendo como um dos históricos membros Galileu Galilei.

Atualmente, a instituição conta com cerca de 80 acadêmicos de várias partes do mundo, todos nomeados pelo Papa, sob indicação do corpo acadêmico, sem nenhum tipo de discriminação. O objetivo do órgão é promover a pesquisa e examinar questões científicas de interesse da Igreja.

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p style=”text-align: justify;”>Jaime Sautchuk – Jornalista. Escritor. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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