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UM SALVE PARA MILAGRES, LÍDER COMUNITÁRIA DE PREAZINHO

 Um salve para Milagres, líder  comunitária de Preazinho

Para a lavradora Milagres Carvalho, líder comunitária da comunidade de Preazinho, avó de um neto e mãe de dez filhos, a mais velha de 22 anos, já casada, e o caçula com dois anos de idade, antes do Movimento Solidário a vida era muito difícil, difícil demais…

Por Zezé Weiss

Milagres conta que teve tempo em que faltou comida, que muitas vezes chegou da roça ao meio-dia, sem ter nada pra dar pros filhos comerem. “Criar dez filhos sem emprego, só trabalhando na roça, porque meu serviço é de roça, com o tanto que a farinha está barata, só com a ajuda do Bolsa Família, não é fácil

Tinha vezes em que não tinha alimentação pros meus filhos. Eu nunca chorei na frente deles, mas escondido chorei muito, eu entrava pro meu quarto e chorava de tristeza por não ter como arrumar comida pra eles. Às vezes tinha farinha, outras tinha feijão, outras dava pra comprar um arroz, mas outras não tinha nada

O jeito era ganhar os poços atrás de um peixe, aqui na nossa região rio só tem no inverno, no verão seca tudo, só ficam os poços, os peixes somem. Mesmo assim, a gente saía procurando o que pegar, quando não pegava, às vezes só tinha uma alimentação por dia, então a gente guardava o que tinha pra comer de noite, pra não dormir com fome…

            A situação da gente só mudou depois do Movimento Solidário. Hoje a gente tem açude, tem criação de galinha e tem horta. Uma parte a gente tira pra comer, a outra a gente vende pra comprar o que falta. Com isso, nossos filhos passaram a ter uma alimentação saudável e melhoram o rendimento na escola. Com a barriga cheia, eles melhoram o aprendizado”.

            O excedente, Milagres vende para a Secretaria Municipal de Agricultura de Belágua, para uso nas escolas, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ou distribui na comunidade, por solicitação da prefeitura, porque muitas vezes o transporte é difícil para escoar os produtos.

É por isso que o que nós fazemos aqui na comunidade é cuidar dos projetos. De manhã nós saímos cedo pra roça, que fica longe de casa, a mais de uma hora de caminhada. Meio dia a gente volta, manda as crianças pra escola, e aí é cuidar dos projetos pra que não nos falte nada”, diz Milagres, coordenadora do Movimento Solidário na comunidade de Preazinho.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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