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Mito da democracia inabalada

Mito da democracia inabalada

O novo mito que ganha impulso com a efeméride de um ano do ataque às instituições republicanas de 8 de janeiro de 2023 é que a democracia brasileira venceu e está “inabalada”.

Por Igor Felippe Santos/MST

Não há dúvidas de que a tentativa de golpe com a ação de destruição das hordas fascistas não conseguiu impor uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que entregasse o poder às Forças Armadas e afastasse o então empossado presidente Lula.

No entanto, a democracia brasileira enfrenta uma profunda crise e continua agonizando. A derrota dos golpistas não representou, definitivamente, a redenção do nosso sistema político.

Essa normalização da crise política nacional serve somente a quem quer manter o atual estado das coisas. Talvez por se beneficiar do crescente conflito entre poderes. Talvez por temer que as suas raízes venham à tona e ensejem mudanças.

O Brasil é um país presidencialista, mas avança o fato consumado de que vivemos sob um parlamentarismo velado ou um semipresidencialismo. O conflito entre os poderes, que se agudizou nos últimos 10 anos, tem como vetor a crescente mutilação do poder do governo federal.

O Poder Judiciário e o Poder Legislativo têm tomado, sob a condescendência daqueles que hoje exaltam a democracia, atribuições políticas, econômicas e institucionais do Poder Executivo e usurpado a soberania popular expressa no voto.

É estarrecedora a sanha dos deputados e senadores para obter fatias cada vez maiores do Orçamento para emendas parlamentares. Transformaram-se num instrumento para que os congressistas aumentem sua influência nos seus redutos eleitorais, independentemente do governo de plantão.

Não há precedentes no nível de exposição dos ministros do STF, que intervêm na cena política em entrevistas nos jornais, programas de TVs, podcasts e redes sociais de forma cada vez mais banal. Depois da desmoralização da Operação Lava Jato, houve uma alteração de orientação do Judiciário, mas não aconteceram mudanças no sistema de Justiça.

Membros da cúpula das Forças Armadas que tiveram participação no processo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, atuaram para manter a prisão do Lula, fizeram parte do governo Bolsonaro e se envolveram no ataque de 8 de janeiro continuam impunes.

O governo federal, sob o comando de um presidente da República eleito pela maioria dos eleitores e expressão da soberania popular, está cada vez mais refém do Congresso Nacional e do STF.

Nesse cenário, a burguesia mantém o controle da economia, joga a carta da “estabilidade econômica” e usa o Poder Legislativo e o Poder Judiciário para limitar a atuação do governo federal e bloquear o programa vencedor nas eleições de 2022.

O 8 de janeiro não foi o capítulo final da crise política nem a regeneração da democracia brasileira. A tentativa de golpe, inclusive, é consequência da dissolução do regime político. Enquanto não houver mudanças na estrutura de poder, que resgatem o sentido profundo da soberania popular, de que todo o poder emana do povo, nossa frágil democracia estará em risco.

É muito perigoso idealizar essa democracia em crise porque a frustração da população e a falta de uma alternativa ao colapso do sistema político e das instituições, forjados pela Constituição de 1988, podem levar o país a mais uma ofensiva da extrema-direita, muito mais violenta que o 8 de janeiro.

*Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares.

Fonte: Mídia Ninja Capa: Brasil de Fato


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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