Mulheres extrativistas se unem por justiça e direito à terra

MULHERES EXTRATIVISTAS SE UNEM POR JUSTIÇA E DIREITO À TERRA

Mulheres extrativistas se unem por justiça e direito à terra

Mulheres extrativistas da Amazônia se reunem na COP30 para denunciar a violência no campo, defender o direito à terra e cobrar justiça climática

Por Nicoly Ambrosio/Amazônia Real

Belém (PA) – Lideranças extrativistas, indígenas, quilombolas e ribeirinhas de todos os biomas do Brasil se reuniram na segunda-feira (10), em Belém (PA), no Encontro Nacional de Mulheres Extrativistas. Em pauta, a celebração das trajetórias de resistência, cuidado e luta das mulheres frente à crise climática e às violências territoriais. Com o tema “Mulheres da Floresta e das Águas: vozes que sustentam o mundo”, o evento fez parte da programação do Espaço Chico Mendes na COP30.

“Os homens não respeitam as mulheres nem o direito da mulher. Trabalhar muito sem ganhar nada é morrer sem ter nada. Nós não queremos morrer lascadas, queremos viver bem, com o que é nosso. Não ser ricas, mas viver com dignidade”, afirmou Maria Nice Machado, conhecida como Dona Nice, em entrevista à Amazônia Real. Secretária de Mulheres do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), líder quilombola do Maranhão e quebradeira de coco babaçu, ela participou da cerimônia de abertura do evento.

Para Dona Nice, que definiu o encontro como um marco histórico pela dimensão global da COP30, as mulheres precisam estar informadas sobre o que é a política ambiental, social, cultural e pública no Brasil — principalmente as da base, que vivem e resistem nos territórios.

“Quando as mulheres da base vêm para cá e somam com a gente, a gente ganha força de 80%. A maior preocupação minha é trazer as mulheres da base, porque é lá que nasce tudo, a raiz vem de lá”, afirmou.

Direito à terra e dignidade

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Nice Machado, secretária de Mulheres do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e liderança quilombola do Maranhão (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Entre as principais propostas levantadas por Dona Nice, estão a garantia do direito das mulheres à terra, à água, à moradia, à educação, à saúde e a um salário digno. A reivindicação é partilhada por Maria do Socorro Teixeira, diretora do Fundo Puxirum e coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB).

Ela explicou que o “trabalho de formiguinha” da luta das mulheres extrativistas é para conseguir respeito e apoio para desenvolver suas atividades e seus territórios, marcados pela violência. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostram que 1,9% dos feminicídios do país ocorreram em zonas rurais.

“As mulheres do Brasil decidiram buscar trabalhar essa valorização e defender a floresta. E cada encontro que a gente participa com essa busca é importante. A cada passo que a gente dá, a gente está colocando as nossas necessidades. O evento de hoje é muito importante, mais do que os outros, por causa da situação em que ele está sendo realizado. Além da COP estar aqui no Brasil, está aqui na Amazônia”, destacou Maria do Socorro.

Mulheres que sustentam o mundo

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Na imagem acima, Luzenira Carvalho Vasconcelos, extrativista e agricultora da Vila do Amorim, da Resex Tapajós-Arapiuns (PA) (Fotos: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

“Se acabar com a natureza, o clima muda, e a gente não consegue mais plantar. Deus deu esse mundo para nós, e hoje está sendo destruído pelo homem, pela soja, pelos fazendeiros, pelos empresários”, afirmou a extrativista e agricultora familiar Luzenira Carvalho Vasconcelos, de 61 anos, da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, em Santarém, no Pará. Durante a roda de conversa “Mulheres que sustentam o mundo”, ela destacou experiências de resistência das extrativistas

Para ela, o avanço de grandes empreendimentos, como o agronegócio e a exploração da soja, tem colocado em risco a sobrevivência das comunidades e o equilíbrio climático. Parteira e guardiã de saberes tradicionais, Luzenira quer levar aprendizados adquiridos para as comunidades de origem. Ela lembrou que o encontro é também um espaço de cuidado mútuo e de resistência. “Nós viemos aqui neste encontro trazer também os nossos conhecimentos e buscar mais, além de reivindicar o clima, a saúde, a educação e outras pautas”, afirmou.

De Raimunda a Margarida

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A exposição Memoráveis Margaridas está aberta durante as atividades do Espaço Chico Mendes na COP30, localizada no Campus de Pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA) (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Um dos momentos mais marcantes do encontro foi a homenagem a Raimunda Gomes da Silva, a Dona Raimunda dos Cocos — quebradeira de coco, poeta sertaneja, fundadora da Secretaria da Mulher do CNS e referência histórica do movimento das mulheres extrativistas da Amazônia. Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e indicada ao Prêmio Nobel da Paz, Dona Raimunda foi lembrada com depoimentos, áudios e leituras conduzidos por Cristina e Mara Régia.

Já no caminho para o auditório das plenárias, a exposição “Memoráveis Margaridas” exibe imagens e biografias de mulheres defensoras do meio ambiente. O nome homenageia Margarida Alves, sindicalista e defensora dos direitos humanos, assassinada em 1983 em Alagoa Grande (PB) a mando de latifundiários. Sua luta inspirou a Marcha das Margaridas, criada em 2000 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).

A voz de todas em um só tecido

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Na imagem, Irene Domingas Silva, da Cooperativa de Agricultura Familiar de Mojuí (PA) (Fotos: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

À tarde, as participantes se dividiram em seis grupos temáticos — Territórios do Bem Viver; Corpo e Política; Economias do Cuidado e da Floresta; Juventude e Futuro Climático; Comunicação e Arte; e Política e Governança. As discussões se uniram na plenária final, que reuniu propostas e compromissos em um grande tecido coletivo.

A agricultora Irene Domingas Silva, da Coofam, em Mojuí dos Campos (PA), relembrou sua trajetória como quebradeira de coco e falou sobre a luta das mulheres do campo por igualdade e respeito.

“O que eu espero hoje desse encontro das mulheres extrativistas é que cada uma saia com o compromisso de levar o que ouviu e transmitir para as outras mulheres, e também explicar para os nossos homens qual é a importância de uma mulher fazer parte de um evento desse. Porque, se nós ouvirmos o que vamos ouvir e ficar só para nós, é como se não tivéssemos vindo. Nós temos que dividir, multiplicar a força e a vontade que a mulher tem”, disse.

O encontro terminou com uma bênção coletiva das águas e da floresta, marcando a criação da Rede Amazônica de Mulheres pela Justiça Climática e o início do vídeo-manifesto com as vozes das mulheres que sustentam o mundo.

Nicoly Ambrosio – É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e fotógrafa independente na cidade de Manaus

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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