Mulheres Indígenas: basta de violência e de invisibilidade

Mulheres indígenas: basta de violência e de invisibilidade

Por Juliana Radler/Instituto Socioambiental

Encontro no Alto Rio Negro reuniu cerca de 200 mulheres em uma celebração multiétnica e intergeracional pela equidade de gênero

A Maloca da Federação das Organizações do Rio Negro (Foirn) foi tomada pela força e coragem feminina durante os quatro dias do XI Encontro de do Rio Negro, na primeira semana de maio. O evento, que reuniu 200 mulheres de 18 etnias indígenas, contou com a presença de convidadas de renome nacional, como a cantora Djuena Tikuna e Nara Baré, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Brasileira (Coiab). O encontro discutiu pautas desafiadoras, como o feminicídio, a violência, perspectivas para a juventude nas terras demarcadas e a participação da indígena nos espaços de decisão.

“A gente vê as mulheres brancas e negras indo à luta por direitos, mas as indígenas ainda não são vistas. Queremos ter a nossa voz escutada também, pois os problemas que as outras mulheres enfrentam, nós enfrentamos igualzinho e muitas vezes com mais dificuldade”, ressalta a coordenadora do Departamento de Mulheres da Foirn, Elisângela da Silva Baré, da  Indígena (TI) Cué-Cué Marabitanas, próxima da fronteira com a Venezuela. Aos 34 anos, mãe de três filhos, casada, agricultora, professora e graduada em Ciências Sociais, Elisângela coordenou o encontro. Junto com ela esteve sua parceira de movimento político, Janete Alves Desana, que atua também na Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro.

“A gente percebe que as jovens querem mudança. E as mais velhas muitas vezes não entendem. Mas, agora, percebemos que o importante é ter roda de conversa. Porque sem esses encontros a gente não consegue provocar as mulheres a falarem delas mesmas. Não temos espaço na nossa rotina”, comenta Adelina Sampaio Desana, jovem liderança da Foirn. A partir dos debates e encaminhamentos do encontro foi redigido o “Manifesto das Mulheres Indígenas do Rio Negro”. Leia aqui.

Luta política e dedo na ferida

Muitas das lideranças presentes foram para São Gabriel da Cachoeira (AM) – onde só se chega por via aérea ou fluvial – direto do ATL (Acampamento Terra Livre), a maior mobilização indígena do Brasil, em . Saiba mais.

A cantora e jornalista Djuena Tikuna foi uma delas. Pela primeira vez na região, Djuena chegou das acaloradas discussões na capital federal para debater e deixar suas contribuições às mulheres rionegrinas. “Fiquei muito feliz de poder contribuir tanto como cantora quanto como ativista e jornalista”, comentou a artista, que mora em Manaus (AM). Além de protagonizar o show de encerramento, Djuena participou de uma mesa sobre a importância da para o movimento indígena ao lado de outras comunicadoras, como Mayra Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Sany Brasil, da rádio FM O Dia.

dona osvaldinaOsvaldina Baré, da Associação Indígena de Barcelos, representando as mulheres do Baixo Rio Negro

As mulheres do Rio Negro também debateram sobre violência em pequenos grupos de , onde puderam confidenciar histórias pessoais ou de parentes. “A gente chora sozinha nas roças de tanta dor dentro do peito. A gente passa a noite apanhando do marido e de manhã dá uma cuia de mingau para ele. Essa é a realidade de muitas de nós mulheres indígenas aqui no Rio Negro”, confidenciou uma jovem participante.

Em outro grupo, uma idosa revelou que sua mãe dizia: “Se um dia o seu marido bater em você, não conte nada para ninguém. Você não pode falar nada para as pessoas porque senão vai provocar briga e intriga”, revelou. Esses e outros depoimentos ainda mais contundentes foram registrados pelas mulheres indígenas que desejam enfrentar esse tipo de situação. Como disse uma senhora Yanomami: “Naka (mulher, em Yanomami), isso não é da cultura não. Isso é violência contra a mulher mesmo.”

As mulheres também se mostraram preocupadas com o uso abusivo de álcool, sobretudo em relação às crianças e jovens. Elas afirmaram que é preciso atuar fortemente na educação e conscientização sobre as bebidas alcóolicas industrializadas, que fazem mal à saúde física e mental dos consumidores, e são diferentes das bebidas tradicionais fermentadas a base de mandioca. “É um problema de saúde pública e o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) do Alto Rio Negro precisa atuar fortemente nessa questão”, apontou uma liderança de Santa Isabel do Rio Negro.

As mulheres indígenas também reivindicaram que seja implantada uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), em São Gabriel da Cachoeira, com uma casa de acolhimento às vítimas de violência que possa abrigar mulheres dos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, ou seja, do Baixo ao Alto Rio Negro.

Temas como o futuro dos adolescentes e jovens, empreendedorismo da mulher indígena, saúde e os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) também foram debatidos pelas participantes. “Foi um evento singular para o movimento indígena do Rio Negro. Nossas parentes mostraram que são capazes de liderar”, frisou Nara Baré, presidente da Coiab. Nascida em São Gabriel, Nara é uma das principais vozes femininas do movimento indígena brasileiro, representando a Amazônia no Brasil e no exterior. O encontro teve ainda uma feira de artesanato, cerâmica e do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro.

Além de pausas nos debates para a música de Djuena, encenações, dança e poesias, o evento teve a pré-estreia do filme “Quentura”, da cineasta Mari Corrêa, do Instituto Catitu. Uma produção realizada para a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), o filme retrata as mudanças climáticas sob o olhar sensível das mulheres indígenas, entre elas mulheres rionegrinas, representadas pelas Yanomami, da região do Pico da Neblina, e pelas mulheres de Iauaretê, lideradas pela ex-presidente e atual diretora da Foirn, Almerinda Ramos de Lima, Tariana, da Terra Indígena Alto Rio Negro.

almerinda e mariAlmerinda Ramos de Lima, Tariana, diretora da Foirn, com a cineasta Mari Corrêa na pré-estreia do documentário “Quentura”

No encerramento do XI Encontro das Mulheres Indígenas do Rio Negro, muitos moradores de São Gabriel da Cachoeira foram comemorar os 31 anos da Foirn e aproveitar o show da cantora Djuena Tikuna, a primeira indígena a fazer um espetáculo solo no famoso Teatro Amazonas, em Manaus. O mestre Baniwa, Luiz Laureano, da Maloca de Itacoatiara Mirim, fez uma performance de improviso com Djuena tocando o seu Japurutu para fechar o encontro com música instrumental indígena da região.

O evento foi realizado pela Foirn e teve a parceria do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) e contou com apoio da Avon Mulheres, CESE, RCA, União Europeia e da Fundação Estadual do Índio (FEI).

Mais fotos:

mulheresMulheres indígenas unidas e de mãos dadas contra a violência durante o XI Encontro das Mulheres Indígenas do Rio Negro | Juliana Radler-ISA)

mulheres mediorn e yanomamiMulheres Yanomami, Piratapuias e Barés do Médio Rio Negro juntas em defesa dos direitos indígenas | Ray Baniwa-FOIRN)

djuena e mestre luizDjuena Tikuna no encerramento do XI Encontro das Mulheres Indígenas do Rio Negro, na Maloca da Foirn, junto com o mestre Luiz Laureano Baniwa (de branco) e seu japurutu | Juliana Radler-ISA)

ceramica tukanoMulheres Tukano de Taracuá apresentaram o seu trabalho com a cerâmica e falaram de empreendedorismo | Ovinho Tuyuka – Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro)

Fonte: Instituto Socioambiental


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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