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Mulheres Indígenas sentem na pele o retrocesso da Demarcação

Mulheres Indígenas sentem na pele o retrocesso da Demarcação

Por: Fabio Zuker/Amazônia Real

“Somos nós mulheres indígenas, que sentimos na pele nossas terras demarcadas prestes a ser reduzidas”. A declaração é de Rosimere Teles Arapaso, do Povo Arapaso, do Alto Rio Negro, no Amazonas. Ela participa ativamente das manifestações que estão acontecendo no 15º. Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, representando a Makira-Ëta (Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas).

Nesta quarta-feira (25), Rosimere estava no protesto contra o marco temporal em frente à sede Advocacia-Geral da União (AGU). A tese do Supremo Tribunal Federal consta do parecer 001/2017 da AGU, que foi aprovado pelo presidente Michel Temer para demarcar as terras indígenas no país. Considerado por muitas lideranças como o “parecer do genocídio”, determina que os territórios indígenas sejam demarcados adotando a tese que estabeleceu 19 restrições ao julgar a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009.

Entre as restrições está a que diz que os povos indígenas têm direito à posse de seus territórios tradicionais, desde que a comunidade esteja ocupando efetivamente o local até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O parecer já paralisou vários processos de demarcação em andamento na Fundação Nacional do Índio (Funai).

PROTESTO AGU FOTO FABIO ZUKER4No depoimento exclusivo a seguir Rosimere Teles Arapaso conta como tem sido a luta das mulheres indígenas diante das violações de direitos humanos e no retrocesso nas demarcações de terras no país:

“Estamos aqui hoje (25/04) com essa faixa da Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas, por sermos mulheres indígenas presentes no Acampamento Terra Livre (ATL). Essa marcha nos trouxe até aqui [em frente à AGU]. Somos nós mulheres que estamos sentindo o reflexo dos retrocessos dos nossos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Nós mulheres indígenas do Brasil, da Amazônia, e principalmente do Estado do Amazonas, repudiamos a atitude do governo, através dos ministérios, das secretarias, do Congresso Nacional e da AGU, pois eles estão massacrando a sociedade brasileira, e a sociedade brasileira somos nós. Somos nós povos indígenas, e nós, mulheres indígenas, que sentimos na pele nossas terras demarcadas prestes a serem reduzidas; que sentimos nossas terras que estão previstas para serem demarcadas estarem paradas, por conta de toda essa confusão política.

São as mulheres que estão na linha de frente, e que sofrem muitas ameaças hoje. São elas que estão lutando pela defesa de seus territórios, pois seus maridos estão mortos, seus filhos guerreiros estão sendo mortos ou estão mortos. Então só sobram as mulheres indígenas na linha de frente de guerra, e é por isso que estamos com a voz das mulheres indígenas: ‘nós pedimos respeito!’.

Nós não somos responsáveis pela crise brasileira. O Brasil, os políticos responsáveis. O dinheiro que é roubado não está no bolso dos indígenas, e muito menos das mulheres indígenas. Então hoje nós levantamos nossas mãos para que seja feita a justiça: quem roubou que devolva o dinheiro aos cofres públicos. Nós indígenas queremos simplesmente a nossa terra, pois a nossa terra é a nossa vida. A nossa terra guarda para nós muitas riquezas: água, ar puro, lugar pra plantar, lugar pra colher, onde nossos filhos crescem sadios, na terra sem contaminação. É isso que nós queremos: paz para ter educação, sustentabilidade, educação.

São instâncias máximas, como a AGU, que têm o poder de decisão, que estão suicidando o povo indígena, que estão matando o povo indígena. Precisamos que a AGU veja com atenção a lei brasileira e respeite a Constituição Brasileira e os direitos dos povos indígenas e reconhecimento das demarcações indígenas. A terra do meu povo Arapaso está demarcada, mas hoje estamos juntos dos povos indígenas do Nordeste, da região Sul, Sudeste, Centro-Oeste, e principalmente do povo Guarani Kaiowá e do povo Tupinambá da Bahia.

A Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas (Makira-Ëta) foi criada no ano passado. Hoje temos, no Estado do Amazonas, uma representação política, para fazer a ponte entre as comunidades indígenas e a capital do Estado, e também a nível nacional e internacional. Esse é o nosso objetivo, de defender os direitos das mulheres especificamente, e no todo do povo indígena. Viemos do Alto Rio Negro, algumas pessoas do Alto Rio Solimões e principalmente do Rio Madeira, mas também do Purus.

Nós temos os mesmos direitos de existir. Direitos humanos, direitos de acessar políticas públicas. E é isso que o governo não entende. Primeiro, o continente Brasil era dos índios, dos povos indígena. Hoje a gente divide com a sociedade brasileira. Para dizer a verdade, a gente divide com os grandes latifundiários do Brasil, e a sociedade brasileira não merece isso, o povo indígena não merece isso. Se estivéssemos com terras, se o Brasil estivesse bem, não estaríamos aqui.”

Para fazer o protesto contra o marco temporal, os indígenas caminharam cinco quilômetros da Praça dos Ipês, no Eixo Monumental, até a sede da AGU, no Setor das Autarquias Sul. Lá, militares armados já cercavam o prédio. Durante o protesto dos indígenas, eles pediram a revogação do parecer assinado pelo presidente Michel Temer, em 2017. A advogada-geral da União, Grace Mendonça, recebeu 25 lideranças e os comunicou que irá adotar medidas para esclarecer pontos do Parecer 001/2017, que trata da demarcação de Terras Indígenas com base em decisão do Supremo Tribunal Federal. Veja o protesto na galeria de fotos. Acompanhe a cobertura do ATL 2018 aqui.

 

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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)
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    Indígenas protestam em frente à sede AGU contra o marco temporal (Foto Fabio Zuker/Amazônia Real)

ANOTE AÍ:

Matéria original: http://amazoniareal.com.br/mulheres-indigenas-sentem-na-pele-o-retrocesso-na-demarcacao/ publicada no site Amazônia Real em 26/04/2018

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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