Nesse mundo de meu Deus
Quando eu soube da morte do Jaime, a primeira coisa que vi foi o sorriso – entre delicado, tímido e irônico. Nesse mundo de meu deus, o Jaime me socorreu quando eu estava com o pé no abismo.
Por Conceição Freitas
Trabalhávamos na Folha de São Paulo, ele já repórter consagrado, e eu não conseguia me adaptar às regras da casa, estava numa depressão enorme, então ele me dizia:
“Faz do seu jeito, o seu olhar é só seu, a pauta você é quem cria”. Falava baixinho, abria espaços entre as palavras, entre as sílabas, como se o silêncio fosse parte fundante de seus ensinamentos. Muito tempo depois, nos reencontramos na banquinha da 308, botina, jaqueta, chapéu de abas curtas, seus livros, a Xapuri e o mesmo sorriso – tímido, mas irônico.
Quando um bandido invadiu o santuário em Cristalina, fiquei apavorada com o relato que ele fez: o Jaime teve a presença de espírito, a paciência e a sabedoria de, debaixo de uma coberta, com um toco de pau apontado pra cabeça dele, negociar com o cara, de dizer que, se o matasse, podia ser pior pra ele, um homicídio só ia dificultar as coisas. Era melhor o bandido ir embora tranquilo.
Jaime parecia saber de tudo, mas dizia só o suficiente. E tinha uma tristeza funda de quem sabe que sabe e sabe que saber não faz tanta diferença assim nesse mundo de meu deus.
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