Noção concisa de decolonialidade/decolonialismo

Noção concisa de decolonialidade/decolonialismo

Noção concisa de decolonialidade/decolonialismo

O levante da decolonialidade/decolonialismo não se pauta somente em superar a ordenação colonialista de nosso passado e em procurar emancipar os locais colonizados, mas também em assumir uma postura de luta permanente para apontar outro relato dos explorados como sujeitos sociais participantes do meio e não como meras figuras subjugadas e submissas…

Por Felipe Labruna/via Jornalistas Livres

No continente latino-americano os episódios e práticas de colonização marcaram a supremacia econômica, institucional e cultural das nações europeias, forçando a relutância anticolonialista a tecer estratégias de embate
em face da subjugação dos . Sob este paradigma, o psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon concebeu o festejado Peau noire, masques blancs (Pele negra, máscaras brancas), datado de 1952 e que aborda como jovens antilhanos, ao emigrarem para a França, retornavam figuradamente embranquecidos e transformados em franceses, sucumbindo à sujeição de sua cultura. Deste modo, o colonialismo não se baseou meramente no poderio militar e econômico das nações europeias sobre os colonizados, mas também em diferenciação de raças (FANON, 2008).

Desde o “descobrimento” da América pelos europeus até os dias de hoje, pela colonização foi engendrado um relato que decidiu por desabonar e discriminar as populações originárias de sua vivência realística alicerçada na
terra. Tal sistemática foi erigida partindo do desdém daquilo que não é europeu desde o início do século XVI, ao passo que as Metrópoles assumiam posicionamentos de não reconhecimento das particularidades etnológicas nativas e de seu extermínio de modo sistematizado. Assim, o modus operandi do colonizador europeu caracterizou-se pela marginalização e pela interdição das vozes distintas das suas (LEDA, 2014).

O sociólogo peruano Aníbal Quijano apresentou no final dos anos 80 a noção de colonialidade, oferecendo um novo sentido ao verbete “colonialismo”, sobretudo como até então havia sido estabelecido. Tal concepção logo a seguir
foi aperfeiçoada pelo semiólogo argentino Walter Mignolo através do aclamado livro “Historias locais / projetos globais – colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar” e de outros artigos científicos subsequentes. De maneira sucinta, a colonialidade foi tratada por Mignolo como o traço mais sombrio da Modernidade: mesmo após o reconhecimento da independência das ex- colônias, subsistiu no tecido social de maneira institucional e atuante a discriminação étnica e cultural (MIGNOLO, 2017).

A colonialidade instituiu uma de vidas descartáveis, herdando a concepção de mundo que a Europa definiu no século XVI e que continuamente foi reafirmada através do canhão, da pluma de escrever, da fé religiosa, da chibata, do flagelo, da intimidação, da legislação, da , da pintura e, mais tardiamente, da e do cinema. Então, a semântica do vocábulo em francês décolonial resulta da confrontação à colonialidade e na França tal termo frequentemente é relacionado à corrente contra o e/ou xenofobismo, ressaltando-se a salvaguarda aos imigrantes advindos de antigas colônias e seus sucessores (VERGÈS, 2019).

Primeira homenagem a Colombo 12 de outubro de 1492 de Jose Garnelo y Alda de 1892

O raciocínio decolonial cuida de um método que propõe o desfazimento das heranças históricas da colonização e que ostenta um amplo objetivo de superação do modelo herdado de arbítrio colonial. Assim, nas ocasiões em que fizermos menção especificamente aos processos histórico-administrativos de desembaraço das Metrópoles de suas ex-colônias, é preferível a utilização dos termos “descolonial”, “descolonizar” e “descolonização”. Em oposição, quando a intenção for fazer apontamentos sobre movimentos contínuos pelo desfazimento pleno da colonialidade, sugere-se o emprego dos vocábulos “decolonial” e “decolonialismo”, removendo-se a consoante “s”. Tal cuidado pretende enfatizar que os processos histórico-formais de descolonização de um local não asseguram que os fundamentos que orbitam sobre eles tenham superado a lógica colonial (GONZAGA, 2021).

Como o agente colonizador impôs modos de vida e valores em prol de grupos privilegiados, cujas etnias eram vistas como superiores, os novos Estados latino-americanos foram erguidos pelas elites brancas e não pelas urgências das classes e raças em situação de vulnerabilidade. Isto faz com que até os dias de hoje sejam encontradas heranças de discriminação e de exclusão em todas as searas do tecido social. Desta maneira, descolonização é o evento/episódio histórico de emancipação política/institucional das ex- colônias perante as Metrópoles, enquanto decolonizar-se é desfazer-se dos vínculos culturais e/ou discriminatórios que vigoram mesmo após a descolonização.

 

Felipe Labruna é Mestre e graduado em Direito pela PUC-SP. Especialista em Ciência Política e em Direito Processual Civil. Pesquisador. Co-autor do livro “Faltam pais no ”.

Referências bibliográficas:
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
GONZAGA, Alvaro Luiz Travassos de Azevedo. Decolonialismo .
: Matrioska, 2021.
LEDA, Manuela Corrêa. Teorias pós-coloniais e decoloniais: para repensar
a sociologia da modernidade. Monografia de graduação em Sociologia.
: Universidade de Brasília – UNB, 2014.
MIGNOLO, Walter D. Colonialidade – O lado mais escuro da modernidade.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 32, nº 94. São Paulo: Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS, 2017.
VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu editora,
2019.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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