Nos meses de Agosto e Setembro é quando em casa as serras e os morros queimam. Quando a casa inteira amanhece cheia de cinzas e a pele sangra com a secura que machuca.
Nasci no mesmo ano em que aconteceu pela primeira vez na Cidade de Goiás o Festival Internacional de Cinema Ambiental. Acontecimento que por duas décadas movimentou uma cidade inteira, que fez os grupos de música estarem nas ruas, os rios e as imagens virarem tema, que fez sair da boca das crianças, de forma natural e íntima, palavras e gestos de cinema. A Cidade espera como quem espera a chuva, que mesmo quando demora chega, que vai chegar o FICA.
E foi no início deste ano que a notícia chegou. Arbitrária e violenta, como todas que vêm deles. O FICA não aconteceria. Anunciaram o sepultamento de um festival de 20 anos.
Nos meses de Agosto e Setembro é também quando em casa os ventos são ventos de pipa, quando os ipês começam a esbravejar no cerrado seco.
E hoje vai acontecer o que talvez seja a mais importante exibição do De Pássaros e Infância: Maria. Esse filme que escrevi quando ainda estava na escola e que virou imagem como resultado de um curso no IFG, com incentivo de uma ação do FICA e com esforços de professoras e colegas e da família.
Hoje vai acontecer sua mais importante exibição. Primeiro porque o retorno do filme para casa é sempre outra coisa. Segundo porque vai ser exibido no FESTIVAL DE GOYAZ. O primeiro. A resposta. A reação certeira. Se vão cortar e estancar e tentar não permitir que o FICA aconteça: fazemos nós. Celebro aqui a força e a coerência dos que puxaram esse movimento na Cidade e que reagiram tão bravamente a truculência dos coronéis que se forçam ao governo e tentam cavar a cova daquilo que temos de mais precioso.
E ao falar em cova não posso deixar de lembrar que nessa semana teve uma sessão com Kleber e Juliano e Emilie – e agora falo da casa de cá, a UFF – de Bacurau, esse filme gigante que é uma carta de amor ao Brasil. Penso que é momento de fazermos isso, escrever nossas cartas, não deixar sem resposta o autoritarismo e a tirania.
Quando entrou setembro, nesses tempos de enormes angústias, me senti abraçada, ora pelo amor, ora pela fúria dos amigos que me cercam – essa fúria direcionada que mobiliza tanto e que nos torna capaz de reagir.
Viva o cinema brasileiro! Viva o Festival de Goiás! Viva Bacurau! Viva a universidade pública e os institutos federais!
Mariana de Lima – Estudante de Cinema na Universidade Federal Fluminense
Do Facebook da Marina Sant’Anna