Indígenas no Brasil Colônia já lutavam por liberdade
Em 1775, a escravidão indígena foi proibida. No entanto, continuou a ser praticada ilegalmente
Por André Nogueira – aventurasnahistoria
O uso de mão-de-obra indígena escravizada era uma prática recorrente da Amazônia colonial desde sua ocupação pelos portugueses. Porém, em 1775, através da associação da monarquia portuguesa com o Vaticano, declarou-se permanentemente ilegal a escravização de índios americanos (processo que já tinha bases desde o século 16), fazendo com que a prática fosse desincentivada.
Até a aprovação da proibição em 1775, a escravidão indígena era considerada legal e parte das chamadas Guerras Justas, aprovadas no caso de expansão do Evangelho e guerras com vassalos e aliados da Coroa Portuguesa. O status de escravo dos indígenas seria consequência dessas guerras, com a transformação dos prisioneiros de guerra em servos.
Historiadores colocam que as principais motivações para a Lei de Liberdade dos Índios seriam a procura católica pela conversão dos nativos pelos aldeamentos e o objetivo de Portugal em dominar efetivamente a Amazônia, transformando os escravos em súditos da Coroa.
Porém, mesmo após a abolição, as práticas econômicas da Amazônia Portuguesa continuaram a ter como elemento básico os índios escravos. Por esse motivo, muitos índios entraram na justiça para provar a quebra da lei e garantirem sua liberdade. A decisão costumava ter relação com a busca do asseguramento da liberdade, dado que a fuga não oferecia segurança ou garantia de liberdade suficiente.
Para que um índio conseguisse acessar a justiça colonial, eram necessários alguns requisitos que limitavam a participação indígena nos circuitos jurídicos. Isso porque era necessário, a princípio, o conhecimento de alguma língua corrente para a comunicação do caso (como a língua-geral, de origem tupi, ou o português europeu) e informações condizentes que indiquem sua situação de cativeiro (nisso, valem testemunhos orais ou escritos).
Também era necessário que o índio conseguisse fugir do cativeiro, pois a casa dos amos era controlada. Era comum na época que índios fugidos que chegassem às cidades começassem a criar redes de aliança e coleta de informações para denunciar casos parecidos. Destaca-se a grande maioria de índias mulheres entre os processos documentados pela justiça.
Tendo os requisitos, o índio passaria pelos procedimentos de um processo jurídico. Como, oficialmente, os índios tinha o status de direito de um “miserável”, era necessário para o processo um “procurador dos índios” que submeteria o caso. Para tanto, o índio teria que arrumar uma maneira de arcar com o processo.
Os grupos indígenas que apresentavam queixas nos tribunais coloniais eram separados em dois grandes grupos: os índios aldeados e os mamelucos, cafuzos e mulatos (ou seja, os mestiços das fazendas e engenhos). O primeiro grupo era marcado pelo domínio jesuíta e trabalhavam num regime dito livre, mas praticamente compulsório, em que eram conduzidos de tempos em tempos para trabalhos enquadrados como escravidão em fazendas e obras públicas.
O segundo grupo estaria diretamente assegurado com a Lei de Liberdade dos Índios, de 1775. Mas, na prática, a submissão à escravidão proporcionada pelos portugueses na Amazônia continuava. Por isso, a prática de denúncias para os tribunais de justiça por parte de indígenas ilegalmente escravizados era considerada comum no século 18.
Coloca-se que a quase totalidade dos indígenas que denunciavam sua situação de cativeiro eram favorecidos pela sentença, conseguindo a liberdade. Mas como não era simples o trajeto para que eles se tronassem litigantes nos tribunais, esses processos não foram suficientes para acabar com a escravidão indígena na prática. Atingir os tribunais e ter sua situação julgada era a realidade de uma parcela bem pequena dos indígenas escravizados.
Para melhor conhecimento do assunto, buscar a tese “Ações de Liberdade: o uso da justiça por índias e índios na Amazônia portuguesa, século 18”, da pesquisadora Luma Ribeiro Prado, da USP.
Fonte: Aventuras na História