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O caminhar possível, conduzido pela elaboração das mulheres

O caminhar possível, conduzido pela elaboração das mulheres

Por Kleytton Morais

As mulheres são a chave para alterar as relações de trabalho a favor da sócio-ambiental. É imperativo, em tempos atuais, destacar o seu papel nas cadeias produtivas variadas, no meio rural e urbano, o trabalho de cuidado não remunerado, as diferenças de classe e raça, e garantir a sua segurança. Para isso, 236 entidades sindicais dos trabalhadores dos bancos, em conjunto com a Fenaban, assinaram no último dia 11 de março um aditivo à Convenção coletiva sobre a prevenção à doméstica e familiar contra as mulheres. As medidas preveem um canal direto de denúncias, mudança anônima de área de trabalho e atendimento jurídico para mulheres em situação de violência doméstica, assim como aconselhamento.

Em termos gerais, a Lei do Feminicídio foi sancionada em 9 de março de 2015, fruto de uma sugestão da CPMI (Comissão Mista Parlamentar de Inquérito) que investigou a violência contra a mulher. Ela altera o Código Penal acrescentando uma qualificadora do crime de homicídio que envolva “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação. No entanto, estudos ainda indicam lacunas na investigação, resistência da Justiça em enquadrar mortes como feminicídio e falta de informação e de apoio à vítima dificultam punição dos agressores. O teve um aumento de 7,3% nos casos de femicídio em 2019 em comparação com 2018, são 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres. Os estados com a maior taxa de feminicídios são Acre e Alagoas.

Além da violência contra a mulher, a situação das mulheres também é ainda mais precária do que a dos homens no mercado de trabalho, na tarefa de cuidado, não remunerada por tradição, jornada dupla de trabalho, etc. A inserção e trajetória feminina no mercado de trabalho ainda é caracterizada por discriminação, principalmente no que tange a persistência da diferença salarial entre os sexos.

A economia do cuidado é um conceito recente na literatura e fruto recente de um relatório da Oxfam Brasil. Culturalmente, o cuidado das crianças, dos idosos e de qualquer outra pessoa dependente da família recai em maior grau na mulher. Essa situação estabelece um trabalho em que as mulheres não são valorizadas e não são remuneradas, por ser considerado uma obrigação da condição de mulher na família. Adicionalmente, tal situação torna mais precária a inserção na mulher no mercado de trabalho, diminuindo a renda da mulher no total da renda familiar. Em situações ainda mais vulneráveis, o cuidado recai somente sobre a mulher, que com dificuldades de obter renda pela sobrecarga do trabalho de cuidado (que vai além do trabalho doméstico) é posta numa situação de pobreza.

No caso das trabalhadoras dos bancos, estudos mostram que estes ainda são ligeiramente ocupados por homens (51%), mas principalmente que as mulheres são minoria nas faixas salariais mais elevadas e maioria nos menores rendimentos. A diferença de remuneração média entre mulheres e homens é de 21,75% (dados da RAIS para o ano de 2018). Nos anos de 2003 e 2004, a diferença salarial chegou a 26%. É ainda relevante ressaltar que mulheres tinham proibido ingresso por concurso em bancos públicos de 1935 a 1968. Dados do DIEESE destacam ainda que as 13.575 mulheres admitidas nos bancos entre janeiro e outubro de 2019 receberam, em média, R$ 3.926,70. Esse valor corresponde a 75,9% da remuneração média auferida pelos 16.035 homens contratados no período. Constata-se uma diferença de remuneração entre homens e mulheres, também, nos desligamentos. As 17.572 mulheres desligadas dos bancos recebiam, em média, R$ 5.997,95, o que representou 73,3% da remuneração média dos 18.417 homens desligados dos bancos no período.

No Brasil, um dos grupos de mulheres mais vulnerável é o das mulheres trabalhadoras rurais e socioambientais. O reconhecimento das mulheres do campo enquanto sujeitos de direitos e do seu papel na cadeia produtiva e na produção de alimentos não é somente adjacente ao dos homens, mas que muitas vezes são elas que assumem o protagonismo da produção. O aumento das vozes dessas mulheres como detentoras de direito e enquanto atores sociais e políticos deu origem, ainda em 2000, à Marcha das Margaridas, uma das maiores manifestações populares que ocorrem atualmente no país. O reconhecimento do papel das mulheres na segurança alimentar é ainda mais glorificado pelo cotidiano dessas mulheres é marcado pela sobrecarga do trabalho, o cuidado dos dependentes, das tarefas domésticas, da horta que alimenta a própria família, entre outras tarefas cotidianas, sobrecarregadas pela opressão e discriminação.

Uma proposta alternativa ao modelo dominante de produção e consumo de alimentos tem necessariamente que incorporar uma perspectiva feminista. As mulheres do meio rural desempenham um papel-chave na agricultura familiar, pois são as principais produtoras da comida para consumo próprio. São as responsáveis por trabalhar a terra, manter as sementes, coletar as frutas e verduras, conseguir água, cuidar dos animais. A agricultura familiar, por sua vez, é a espinha dorsal da segurança e da soberania alimentar. Enquanto distribuição e autonomia produtiva estão entre os principais gargalos da segurança alimentar, as mulheres do campo vivem um paradoxo. Representam uma força de trabalho extremamente relevante, mas vivem graves desigualdades de acesso aos recursos produtivos. Empodera-las significa destravar um manancial de benefícios difusos que passa não só pela diminuição da fome no mundo, como pela melhora das relações familiares, vida digna para os filhos e interrupção do ciclo da pobreza e da violência.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as mulheres são, em média, 43% da força laboral camponesa nos países em desenvolvimento – cerca de 20% na América Latina e 50% na África subsahariana e sudeste asiático. No entanto, na América Latina, menos de 20% das terras são propriedade de mulheres, maior proporção verificada entre todas as regiões do planeta. Na Oceania, a marca desce para menos de 5%, ou menos de 10% no norte da Ásia e oeste africano. O acesso à terra é o principal recurso e empoderamento que as mulheres rurais podem ter.

Dentro desse contexto, salienta-se, mais uma vez, a importância e esperança aberto pelo compromisso assumido pela Fenaban e sindicatos das bancárias e bancários, acordo elaborado e concebido a partir do comando nacional cuja liderança se faz por duas companheiras, Juvandia Moreira e Ivone Solva, bem como a referência ao protagonismo de uma liderança feminina do campo, por exemplo, Margarida Alves.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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