O DONO DA HOSPEDARIA

O DONO DA HOSPEDARIA

O dono da hospedaria

O poeta Antonio Victor fala do nascimento de Jesus num estábulo, conta da luta de seus pais para achar um local para descansarem e para o menino nascer. Assim se deu. Assim se cumpriu. Porém se questiona e também a todos nós… soubesse ser um Rei, o tratamento seria diferente? E, se Jesus voltasse, quem lhe abriria o coração?

Por Antonio Victor

presepio free pick

Presépio – Free Pick

Um casal me bate à porta
numa noite singular.
Já levanto e me pergunto:
A essa hora, quem será?

– De Nazaré proviemos
para o recenseamento.
Forasteiros aqui somos
em busca de alojamento.

Sou trabalhador honesto,
por abrigo peço auxílio
para mim e para ela,
que, olhai, espera um filho.

Sou José, um carpinteiro,
e esta jovem, Maria.
Se possível, dai-nos pouso
hoje em vossa hospedaria.

Respondi, não tenho como,
está cheia a estalagem,
mas podereis abrigar-vos
e descansar da viagem

aqui numa estrebaria,
entre mansos animais.
Isso posso oferecer-vos,
que melhor não posso mais.

O casal agradeceu-me,
para lá se dirigiu.
Começava ali a história
que o mundo inteiro ouviu.

Naquela noite uma estrela
reluziu no Oriente
e reis vieram de longe
adorar o Onipotente

que em trajes de humildade,
para glória imorredoura,
não encontrando palácios,
nasceu numa manjedoura.

Inocente, eu não sabia
do destino, desses traços.
E o casal depois partia
com seu rebento nos braços.

Mal me lembro aqueles rostos,
não lhes prestei atenção.
A vida tem dessas coisas,
tanta urgência e tudo em vão.

Passaram os anos, e o mundo
refez toda a sua história
por aquele que nascera
para Deus, em honra e glória.

Também eu hoje carrego
minha cruz da consciência:
Vi nascer na manjedoura
o Senhor da Onipotência.

Por que não dei minha cama?
Por que não me apresentei
como alguém que teve a honra
de hospedar em casa um Rei?

E se Jesus retornasse
na aparência de um irmão,
será que lhe abriria
dessa vez o coração?

Na manjedoura da alma,
quanto amor e quanta luz!
No meu coração mesquinho
entra e dorme, meu Jesus!

prespepio pinterest

Presépio – Pinterest

Antonio Victor – É importante figura cultural da cidade de Formosa. Escritor, poeta, compositor de inúmeras músicas que foram interpretadas por famosos cantores do Brasil.  Está com disco novíssimo na praça: Antonio Victor volume 01. Também é professor na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Fez letras pela UnB e foi aluno destaque  Colégio Estadual Hugo Lôbo. Levou seus escritos para o México, onde foi aclamado. Vive e mora em Formosa. Via ALANEG – Academia de Letras e Artes do Nordeste Goiano/RIDE

Antonio Victor Formosa

DE ANTONIO VICTOR, LEIA TAMBÉM:

MÃOS CONTRÁRIAS

MAOS ENRUGADAS

Foto: Reprodução/Internet

Minhas mãos não nasceram para as palavras,
mas para as ações pesadas que tantas vezes dispensam
o tão inútil pensar.

Minhas mãos em sua essência
são mãos ásperas, agrestes,
que de rugas se revestem na perpetuagem do tempo.

Minhas mãos nasceram para amansar cavalos
e segurar bois.
Procuram, no entanto, amansar as palavras
e em vão tentam dominá-las.

Nasceram as minhas mãos para as tetas da vaca
e a feitura do queijo.
E espremem e apertam e buscam extrair o leite das palavras.

Estas mãos nasceram para derrubar madeira,
para rachar lenha, para bater estaca,
esticar o arame, levantar cercas.
Mas lutam com as palavras, dividem as palavras, puxam as
palavras e acabam erguendo cercas entre elas e as palavras.

Minhas mãos nasceram para laçar o gado
e tentam laçar as palavras.

Nasceram para o cultivo da terra e tentam lavorar as palavras.

Nasceram para cortar a cana e tentam moer as palavras.

Nasceram para construir açudes e tentam represar as palavras.

Minhas mãos nasceram para abrir buracos
E tentam tanger estrelas.

Minhas mãos vivem escravas
de um ofício forçado para o qual não foram feitas.
Minhas mãos vivem escravas do verbo e da palavra,
porque nasceram para os calos e para o braço da enxada.

É por isso – tenho certeza – que minhas mãos,
sempre presas, nunca conseguiram nada.

 

 

 
 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA

💚 Apoie a Revista Xapuri

Contribua com qualquer valor e ajude a manter vivo o jornalismo socioambiental independente.

A chave Pix será copiada automaticamente.
Depois é só abrir seu banco, escolher Pix com chave (e-mail), colar a chave e digitar o valor escolhido.