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O “evangelho” da corrupção

O “evangelho” da corrupção

O “evangelho” da corrupção

Na semana passada, estourou o esquema de corrupção que se apropria do Fundo Nacional de (FNDE) para enriquecer supostos pastores evangélicos que recebem gordas propinas para liberar recursos para as prefeituras…

Por Márcio Santilli

A quadrilha envolveu o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, que já está sob investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), gestores do FNDE indicados pelo Partido Popular (PP), e os “pastores” Gilmar dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no (CGADB), e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da CGADB. Eles não têm cargos no MEC, mas participavam, com frequência, das agendas de Milton Ribeiro, o que levou à sua queda.

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Foto: Walter Campanato / Ag Brasil

Não é o primeiro escândalo que envolve relações entre supostos evangélicos e o governo Bolsonaro. A Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo brasileiro Edir Macedo, levou ilegalmente de Angola para a África do Sul, a cada três meses, US$ 30 milhões, segundo denúncias de bispos angolanos às autoridades do país. Os valores chegam a US$ 120 milhões por ano. O pastor e ex-diretor da TV Record África, Fernando Henriques Teixeira, é o responsável direto pelos desvios nos últimos 11 anos. A Igreja Universal, que domina o Republicanos (partido da base de sustentação de Bolsonaro), tentou impor o nome de Marcelo Crivela, genro de Edir Macedo, como embaixador do Brasil em Angola. A indicação foi rechaçada pelo governo angolano.

Também vale lembrar do Reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente “mundial” da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (SENAH), protagonista de uma tentativa de intermediar a venda superfaturada de vacinas da Astrazeneca junto ao Ministério da , em conluio com a Davati Medical Supply, em plena pandemia. Amilton contou com o apoio da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, nessa “obra”, frustrada após denúncia do deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) à CPI da COVID, no Senado Federal.

Dois senhores

Antes de mais nada, é preciso dizer que não se trata, aqui, dos evangélicos, nem das igrejas em geral. Mas daqueles que se tornaram ricos e poderosos manipulando a boa fé dos que creem no Evangelho. Dos que roubam dinheiro público através de emendas secretas da bancada evangélica. Dos que falam de Deus para servir ao demônio. Está no Evangelho de São Mateus: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas?”

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Imagem: Arquidiocese de

Talvez seja este o caso do pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que mantém destacada atuação . Porém, o seu discurso é de ódio e de agressões chulas disparadas contra pessoas que ele julga pecaminosas. O seu Deus está expressamente ligado a uma “teologia da prosperidade”, na qual é pródigo e já acumula uma fortuna pessoal de mais de 150 milhões de dólares. Na semana passada, questionado sobre o esquema evangélico no MEC, Malafaia, com vergonha, disse que a defesa do ministro é fraca e pediu a quebra do sigilo dos pastores envolvidos.

Pastores e igrejas que traem os ensinamentos de Cristo não são dignos dos verdadeiros evangélicos. Transformam o dízimo em um saque diabólico. Também se lê em Mateus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à ”. Esse é o caso dos Arilsons, dos Edires, dos Crivelas, dos Amiltons e de vários outros parasitas de má fé.

Crise de fé

Grupos cristãos têm reagido à corrupção e à coligação desses pastores com o governo. Um manifesto da Coalizão Evangélica contra Bolsonaro afirma: “O bolsonarismo cria uma religiosidade mentirosa que nada tem a ver com o verdadeiro Evangelho, causando perversão e idolatria cega, além de uma ignorância negacionista, tanto da ciência como dos ensinamentos libertadores e verdadeiros de Jesus Cristo”. Por tudo isso, na opinião de Ariovaldo Ramos, a credibilidade de Bolsonaro entre os cristãos, e não apenas os evangélicos, não tem como ser recuperada.

Mas o problema não se esgota em Bolsonaro. O crescimento do movimento evangélico no Brasil teve muito a ver com a erosão da credibilidade da Igreja Católica por conta do envolvimento de padres e bispos em práticas anticristãs, que vão de perversões sexuais ao enriquecimento ilícito. Esse histórico, que ainda hoje perturba o , não turvam os exemplos de vida que nos dão católicos como Dom Casaldáliga, que nos deixou em agosto de 2020.

Na sua pluralidade e diversidade, sempre houve casos mais ou menos isolados de desvios envolvendo pessoas ou igrejas evangélicas. Porém, o que se vê agora é uma avalanche de perversões ditas religiosas, sobrepostas às relações promíscuas com o governo. Resta ver até que ponto essa situação impactará, ou não, o crescimento do evangelismo no Brasil.

Márcio Santilli – Diretor do Instituto Socioambiental.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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