O GAVIÃO
Tenho, prefiro dizer que tive, um gavião que ficou meu amigo. É uma história que vai melhor em verso:
Por Thiago de Mello
Tardei tardes prolongadas
Para ter certeza
– pelo estremecer das asas brancas,
pelo brilho avermelhado do peito
e sobretudo pelo negro esplendor do seu bico –
de que era ele mesmo, o gavião.
Chegava de tardinha,
de começo desconfiado, olhando oblíquo,
e pousava, delicado como uma pomba,
no parapeito largo de itaúba,
e ali ficava me olhando,
a grossura das garras me assustando,
eu estirado na rede de tucum.
Demorava pouco, erguia voo,
sumia lá para as bandas do rio.
Um dia deu de me olhar diferente,
pulou pra o punho da rede e me disse
que gostava de mim. Era um gavião
pinagé, de rapina, mas de boa índole.
Comia os frutos das inajazeiras,
castanhas de caju, tucumãs velhos.
De tanto se sentir aconchegado,
acabou se fazendo companheiro
– sem precisar impor seu bom respeito –
de japiins, pipiras, saracuras
e até, Deus o louve, dos tucanos.
Comiam juntos na maior concórdia.
Na Cordilheira dos Andes, olhando o voo
de aguiluchos, parentes do condor,
sentia saudades do amigo da floresta,
Uma tarde chegou, ficou me olhando,
imóvel, largo tempo, depois voou,
regressou, pousou no parapeito,
não soube me contar sua tristeza,
que me doía tanto, e então se foi,
as asas lentas, desapareceu
no fim dos verdes. Nunca mais voltou.
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p style=”text-align: justify;”>Thiago de Mello (1926-2022) – Poeta maior do Brasil e da Amazônia, em: Amazonas: Águas, Pássaros, Seres e Milagres. Editora Salamandra, 1998.