O Meio Ambiente voltou
Por Marina Silva
O que vimos nesses anos que se passaram foi um completo desrespeito pelo patrimônio socioambiental brasileiro. Povos indígenas, quilombolas, sofreram a invasão de suas terras e territórios, nossas unidades de conservação foram atacadas por pessoas que se sentiam autorizadas pelo mais alto escalão do governo.
Boiadas passaram no lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. O estrago só não foi maior porque as organizações da sociedade, os servidores públicos, vários parlamentares, o Ministério Público e a Alta Corte do poder judiciário se somaram em defesa do meio ambiente (…).
O Brasil tem um enorme desafio para honrar os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Trata-se de área em que houve retrocesso, principalmente devido ao aumento de emissões decorrentes do desmatamento que se acirrou nos últimos quatro anos. Para lidar com esse desafio, é essencial que toda a governança sobre mudança do clima evolua (…).
A Autoridade Nacional de Segurança Climática, proposta que submeti ainda na campanha eleitoral ao Presidente Lula, terá como finalidade produzir subsídios para a execução e implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, regular e monitorar a implementação das ações relativas às políticas e metas setoriais de mitigação, adaptação e promoção da resiliência às mudanças do clima; e, supervisionar instrumentos, programas e ações para a implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima e seus planos setoriais. A decisão do governo é que o desenho dessa autarquia seja submetido ao Congresso Nacional até abril próximo (…).
Quero retomar o nosso compromisso e reconhecimento da participação social como elemento estratégico da atuação do Estado brasileiro em sua relação com a sociedade. Trata-se não apenas de responder ao compromisso do Presidente Lula de retomar as políticas participativas que caracterizaram os seus dois primeiros mandatos, mas, também, de um compromisso que, pessoalmente, sempre tive ao longo de toda a minha vida (…).
Permitam-me falar, agora, como uma simples cidadã, nascida numa das mais ricas e belas regiões do planeta, e paradoxalmente assolada pelas desigualdades sociais, violência contra os povos originários e tradicionais, destruição de suas florestas e contaminação de suas terras e rios. Alguém que conhece os rigores da natureza – ainda mais quando ela é agredida e devastada – e sabe que esses rigores se abatem antes e mais fortemente sobre as parcelas mais pobres da população (…).
Vamos trabalhar juntos com a sociedade civil, empresários, trabalhadores, povos indígenas e tradicionais, artistas, cientistas e governos estaduais e municipais, para reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, retomando a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros.
Vamos precisar de muito apoio e investimentos para darmos o salto de qualidade e gerar um novo ciclo de prosperidade, capaz de promover o crescimento econômico com inclusão social e sustentabilidade ambiental. Para além da proteção da Amazônia e demais biomas, vamos promover uma aceleração da transição energética, da agricultura de baixo carbono e de um mercado nacional de carbono regulado (…). O Brasil e o planeta precisam de nossa Natureza viva.
Vamos construir pontes com nossos vizinhos latino-americanos, com os quais temos o privilégio de compartilhar a maior floresta tropical da Terra, a fim de juntos combater o desmatamento e promover uma economia forte baseada na conservação de nossa biodiversidade. Para tanto, vamos valorizar o Tratado de Cooperação Amazônica e todos os demais mecanismos de cooperação existentes e que poderemos criar. Essa cooperação se estenderá para além de nosso continente, chegando à África e Ásia, onde estão os países mega florestais, como a República Democrática do Congo e a Indonésia.
É a visão desse novo tempo possível que nos reúne aqui, para decidir, planejar e, principalmente, agir.
Marina Silva – Historiadora, ambientalista. Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Excertos do seu discurso na cerimônia de posse como Ministra de Estado, em 4 de janeiro de 2023, editado por limitações de espaço. Confira o texto na íntegra em: https://www.gov.br/