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O mito do Romãozinho

O mito do Romãozinho

O mito de Romãozinho percorre o imaginário do meu povo e habitou minha infância e a de muitas outras crianças e adultos dessa região que encanta a todos por sua beleza e seu esplêndido acervo cultural. O meu Romãozinho (re)conta a história de um menino muito levado que, com suas peraltices e mentiras, ocasionou uma tragédia familiar…

Por Iêda Vilas Boas

A contação desse mito tem a intenção de resgatar a memória das histórias perpetuadas pela oralidade e de fazer com que nossas crianças possam assumir, com orgulho, sua terra, seu lugar. Romãozinho é a materialização do povo cerratense, povo que vive no Planalto Central do Brasil.

Os mitos e lendas cerratenses despertam em mim o desejo de deixar em texto escrito o modo de falar dos antigos, os seus causos que embalavam e apressavam nossos sonos e sonhos, com todas as possíveis e impossíveis histórias reais ou inventadas. Essas histórias foram se remontando em minha cabeça e, agora, saem da oralidade e tomam a forma poética de minha escrita.

Boa leitura!

Romãozinho era o filho mais velho de Seu Romão e Dona Joana.

Um caboclinho nascido lá pelas bandas do Furado-Capim,

Que fica bem no centro do Centro-Oeste,

No coração do Brasil.

O menino foi crescendo, rasgando a vida no peito.

Romãozinho era um menino levado.

Colecionava traquinagens e diabruras:

Mentia, xingava, brigava… Até dava sapituca.

Sua mãe bem que tentava… O velho pai bem que pedia…

E o Romãozinho? Na mais pura estripulia!

E assim…

Plantando terrores,

Colhendo horrores,

Romãozinho cresceu.

Dava nó no rabo do gato,

Colocava sal nas costas do sapo,

Punha açúcar na comida,

Amarrava latas no rabo do cachorro e mais,

Tinha prazer em quebrar os ovos das galinhas.

Romãozinho não tinha jeito, não!

Se a mãe pedia um favor – não fazia.

Se o irmão estava brincando – atrapalhava.

Não gostava de estudar.

O menino não queria nada com nada!

– Romãozinho, Romãozinho, venha almoçar! Fiz galinha com arroz.

– Eu quero o peito. Quero a coxa!

A mãe, cheia de carinho,

Explicava que aqueles pedaços

Estavam reservados para o pai

Que trabalhava na roça.

O moleque não entendia.

Resmungava, discordava e fazia troça.

Um dia, Romãozinho foi levar a comida

Para seu pai.

No caminho, ele parou e comeu a carne todinha

Dos pedaços da galinha.

Quando o pai abriu a marmita,

Não tinha galinha nenhuma. Só os ossos!

O pai ficou muito bravo, e Romãozinho ficou acuado.

– Foi a mãe que mandou assim, meu pai!

Ela deu toda a carne da galinha pra visita.

– Que visita? Indagou o pai.

– O senhor não sabia?

Um homem que ficou lá conversando com ela.

O pai, furioso, homem ciumento e bravo que era,

Largou a enxada, ajeitou o chapéu na cabeça e…

Rumou para sua casa

Para apurar aquela história.

O pai não se conformava em ter sido passado para trás

E nem deu tempo de a mulher se explicar:

– Mulher, você vai morrer pela afronta que me fez

Mandando ossos para o meu almoço!

E assim o pior aconteceu.

Antes de a pobre mulher fechar os olhos eternamente,

Rogou uma praga contra o filho:

– Você vai perambular pelo resto da sua vida,

Que não vai ter fim,

À procura de galinha para saciar a sua fome que nunca vai se acabar.

Dizem que, até hoje, Romãozinho percorre os telhados,

Atraído pelo cheiro gostoso de alho e tempero fritos

No óleo e de galinha cozinhando.

Quando a cozinheira é descuidada ele… Zás!

Rouba o peito do frango e sai em disparada.

Outras vezes, quando não consegue,

Ele fica nervoso e joga pedras nas casas.

Eita, caboclinho ruim!

Então, agora, preste bastante atenção:

Quando a comida em sua casa for galinha,

Confira se o peito está na panela

Ou cuidado com a chuva de pedra

Conselho útil para afastar o Romãozinho, ou não ser incomodado por ele: Faça uma oração pelas almas e assovie uma bela canção. Não sabe, não?! Ih…! Você está encrencado!

Crédito imagem: Welyton Rodrigues

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto, da escritora Iêda Vilas-Bôas, foi publicado originalmente em 01 de outubro de 2019. Iêda partiu para o mundo dos encantados em 8 de abril de 2022. Para honrar sua memória, no primeiro aniversário de seu encantamento, republicamos parte dos textos memoráveis que IVB, como ela gostava de ser chamada,  publicou na nossa Revista Xapuri. Este é um deles. Paz e Bem. 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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