Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia. Abrangendo 150 mil hectares (1,5 mil quilômetros quadrados, do tamanho da cidade de São Paulo), a região concentrava 72,5 % da área de toda a mineração do país, 49,2% da mineração industrial e quase 94% especificamente do garimpo do Brasil, que agora se realiza praticamente apenas na região…
Bioma dominado por água e floresta, alvos de atividades predatórias há mais de meio século, a Amazônia se tornou uma das principais fontes de minérios do mundo, sem que os brasileiros se apercebessem desse fato. Levantamento do Mapeamento de Mineração, pesquisa inédita do projeto MapBiomas, concluiu que entre 1985 e 2020 a área minerada no Brasil cresceu seis vezes, passando de 31 mil hectares para 206 mil hectares nesse período. Boa parte dessa expansão foi conseguida avançando sobre a floresta nativa.
Tenho por marco inicial 1985, o dado mostra que democracia não significa necessariamente a conciliação da política com a natureza e a percepção da importância da diretriz ecológica na expansão – com estímulo estatal – sobre uma nova fronteira. A democracia foi restabelecida e um civil voltou a presidir o país, mas o projeto do Brasil Grande, que impôs uma ofensiva acelerada e irracional na ocupação de novas terras, prosseguiu quase sem mudança.
Outra data impõe outras reflexões desse tipo, que rompeu a ortodoxia da esquerda. Entre 1985 e 2009 o ritmo de crescimento da atividade garimpeira, que vem assustando os defensores da Amazônia, era baixo, em média de 1,5 mil hectares por ano. Em 2010 a taxa de expansão quadruplicou, passando para 6,5 mil hectares anuais.
Foi justamente quando Lula passava a presidência da república para Dilma Rousseff, que colocaria em execução um programa mais identificado com a esquerda original do PT do que o próprio Lula, delimitado pelo compromisso da Carta aos Brasileiros, de 2002.
Expandindo-se com agressividade crescente, os garimpos de ouro avançaram sem hesitação nem ponderação além dos limites que lhes eram interditados. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; foi de 301% no caso das unidades de conservação, segundo o MapBiomas. No ano passado, 40,7% da área nacional do garimpo estavam em unidades de conservação e 9,3% em terras indígenas.
Em 2020, a atividade garimpeira superou pela primeira vez a área associada à mineração industrial: foram 107.800 contra 98.300 hectares, respectivamente. O desempenho das duas atividades seguiu caminhos distintos: a mineração empresarial se expandiu de forma crescente e contínua, a uma média de 2,2 mil hectares por ano entre 1985 e 2020.
Nesse mesmo período, o ritmo de crescimento do garimpo foi menor, de 1,5 mil hectares anuais. Mas a partir de 2010 a taxa de expansão quadruplicou para 6,5 mil hectares por ano. Ou seja: os três anos de Bolsonaro agravaram muito a tendência da ilegalidade, criminalidade e agressividade, mas não a criaram.
As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7,6 mil hectares) e Munduruku (1,6 mil hectares), no Pará, e Yanomami (414 hectares), entre Amazonas e Roraima. Oito das 10 unidades de conservação com maior atividade garimpeira, ficam no Pará, em cujo espaço se localizam as três maiores: Área de Proteção Ambiental do Tapajós (34,7 mil hectares), a Floresta Nacional do Amaná (4,1 mil hectares) e o Parque Nacional do Rio Novo (1,7 mil hectares).
Pará (com 110 mil hectares), Minas Gerais (33 mil) e Mato Grosso (25 mil) são os três maiores Estados em extensão de área total minerada. Embora o Pará tenha se tornado o maior Estado minerador do Brasil, a área ocupada pelo garimpo (76 mil hectares) é mais do dobro dos 34 mil hectares de mineração industrial). Em Minas Gerais, a quase totalidade é ocupada pela mineração industrial.
Quando a avaliação considera a soma das áreas industrial e garimpeira, os 10 principais municípios produtores são todos do Pará e de Mato Grosso, com liderança paraense, que ocupa as três primeiras posições do ranking: Itaituba (45 mil hectares), Jacareacanga (9,4 mil) e Parauapebas (7,5 mil).
O primeiro município de Mato Grosso vai para o 6º lugar: é Peixoto de Azevedo (5,7 mil hectares). Minas Gerais fica de fora do ranking municípios de maior área minerada, quando agrupadas as áreas de garimpo e mineração industrial. O seu modelo se baseia na atividade de lavra industrial.
Com garimpo e mineração empresarial crescendo aceleradamente, a Amazônia vai sofrer as dores dessa combinação rara: talvez a maior corrida ao ouro de todos os tempos.
A imagem que abre este artigo mostra o garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku, no Pará (Foto: Greenpeace)
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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