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O partejar segundo Dona Flor, saudosa mestra erveira do Cerrado

O partejar segundo Dona Flor, saudosa mestra erveira do Cerrado

A parteira cuida da saúde da comunidade, de todos os seres independentes que formam ela: águas, terra, animais, plantas, mulheres, homens, pessoas com gêneros diversos, bebês, crianças, invisíveis, minerais. 

Por Juliana Floriano Toledo Watson

“A prevenção era não fazer a burrice que a gente faz hoje, ficar comendo óleo de soja. A pobreza da vida financeira traz riqueza para a saúde, porque a gente não tem dinheiro para comprar coisa industrial, a gente faz do mato e come, e aí tá aí com saúde. 

Agora cê tá cheia do dim-dim aí, comida pronta, marmitinha daqui marmitinha do acolá, comida de restaurante, comida que tá fazendo com 15 dias, põe lá pra esquentar, a gente come.

Antigamente nem fogão a gás tinha. Antigamente não existia alface, a verdura que tinha era couve e mostarda. Cebolinha, coentro, salsinha, era isso que tinha. Hoje tem repolho, hoje tem aquilo, tem aquilo otru. Mas tá tudo envenenado porque até o adubo do bovino eu não tô querendo usar na minha horta, porque tem veneno. 

A terra segura tudo e nela vai distribuindo. Minha opinião é que é meió não cumê. Porque ocê vai cumê uma coisa que ofende a sua saúde… não adianta ser bunito, ser gostoso, ser isso ou aquilo. Gostoso é aquilo que não faz mal pra gente. 

A saúde já vem desde a geração das criança na barriga da mãe. Ó, cê tá com intenção de engravidar, então cê vai no médico, faz exame, leva o pai o seu filho, seu namorado, seu marido, seu quem fô, faz a consulta dele pra vê que tipo de doença que ele tem e cê faz também pra vê que tipo de doença cê tem.

Porque muitas vezes a mulhé não engravida, não é ela, é o home. O home pensa que eles num doece, mas doece, é carne e osso, todo mundo doece, né?

Então o primeiro caminho é esse, após disso a prevenção é a boca: não fumá, não bebê bebida alcoólica, não cumê essas coisa que muitos tão cumeno, açúcar cristal, esses enlatado, essas coisa que tá tudo empacotado. Procurá cumê duas coisas, ou três coisa, mas que tenha proteção.”

download 1Juliana Floriano Toledo Watson Ginecologista natural. Depoimento gravado com dona Flor para o livro “O partejar e a farmacopeia de dona Flor – História e ensinamentos de uma mestra quilombola” – Capítulo 2, páginas 51-53. Avá Editora, 2022.  Título da matéria adaptado pela redação da Revista Xapuri. Florentina Pereira dos Santos, a dona Flor, nasceu em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, no ano de 1938, e faleceu em 9 de agosto de 2023, aos 85 anos. Foto de capa: Divulgação/ OYÁ.

 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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