O que aconteceu na Argentina foi um atentado terrorista
Não estamos diante apenas de milicianos, ladrões ou genocidas: a democracia enfrenta uma organização terrorista…
Um homem de 35 anos fura o bloqueio, ergue uma arma e tenta disparar. O alvo era Cristina Fernández de Kirchner, vice-presidenta da Argentina. A arma, de calibre .40, tinha cinco balas, mas a pistola falhou. O responsável foi o brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel, de 35 anos, que mora naquele país desde 1993. O que aconteceu foi um atentado terrorista.
Quem digita a palavra “terrorista” no Google tende a achar que é um fenômeno árabe. É um crime que parece ter rosto e etnia. O inimigo externo, nascido no Oriente Médio, é visto como alguém hostil às liberdades. A imagem desse terrorista também foi envernizada com religião, já que a motivação da alegada violência muçulmana seria conquistar dezenas de virgens no pós-morte.
Terrorismo, contudo, não é uma peculiaridade árabe. Terrorismo é um crime que nasce da política. Não é uma questão pessoal: o terrorista quer matar seu inimigo e, sobretudo, aterrorizar seus adversários. Ele busca silenciar, através da violência, todas as formas de divergência. Tem acordo íntimo com o medo. O bolsonarista Jorge Guaranho cometeu um atentado terrorista cuja vítima foi o petista Marcelo Arruda. Marielle Franco foi vítima de um atentado terrorista cujas ligações com a família Bolsonaro inspiram suspeitas.
Não se sabe ainda a motivação de Andrés Sabag Montiel. Especula-se que possa ter envolvimento com traficantes brasileiros e que seria um crime encomendado. A Interpol será provocada a falar sobre o tema. A principal hipótese, contudo, é que o atentado terrorista tenha sido motivado por discursos de ódio, como afirmam as autoridades policiais argentinas. Ainda não se tem certeza, mas o histórico de violência e tatuagens de referência nazista reforçam a hipótese. O presidente Alberto Fernández disse, em rede nacional, que foi o acontecimento mais grave desde o retorno da democracia.
O terrorismo é resultado do ódio fascista, da atmosfera autoritária que contaminou a América Latina nos últimos anos e que tem em Bolsonaro seu principal representante. É o resultado extremo das perseguições judicializantes que fizeram de Lula e Cristina Kirchner seus alvos preferenciais. As redes sociais, que a extrema-direita ocupou com sua força econômica, estimulam a semeadura dos espetáculos de violência política.
Como o alvo do terrorista é a democracia, seus feitos devem ser públicos, visíveis, impossíveis de serem ignorados. Em suas páginas do Facebook e Instagram, fechadas na madrugada de hoje (2/9), o terrorista brasileiro mostrava orgulho de suas tatuagens e de suas participações polêmicas na televisão. As referências antidemocráticas, a simpatia com o nazismo, o afã por armas, as críticas às políticas sociais fazem dele um exemplo perfeito do adversário político que estamos enfrentando, e ele não é árabe.
Ontem a democracia da América Latina esteve, mais uma vez, sob terrível ataque. É fundamental que prestemos nossa solidariedade ao povo argentino. Também não há como atenuar o que aconteceu. O terrorismo é um fenômeno global, bem assentado na América Latina, que semeia o ódio e a violência políticas com respaldo empresarial. Ele está nos jornais, nas redes sociais, nas intimidações que as pessoas sofrem nas ruas, nos constrangimentos e assédios que buscam nos calar. Não estamos diante apenas de milicianos, ladrões ou genocidas: a democracia enfrenta uma organização terrorista.