O SOFRIMENTO DOS INOCENTES

O SOFRIMENTO DOS INOCENTES

O Sofrimento Dos Inocentes

Moa do Katendê – músico, compositor, artesão, educador e mestre de capoeira brasileiro.
Salvador (BA) – 29.10.1954 | Salvador (BA) – 07.10.2018
Foi assassinado por manifestar seu pensamento político durante a campanha das eleições de 2018.

UM PROBLEMA NUNCA RESOLVIDO: O SOFRIMENTO DOS INOCENTES

Acompanhando a crescente violência no Brasil e verdadeiros massacres de indígenas e de pobres nas periferias e, mais ainda, viajando recentemente pela América Central, fiquei impressionado em El Salvador, Guatemala, Nicarágua e outros países da região com os relatos de massacres havidos no tempo das ditaduras militares, massacres de vilas inteiras, de catequistas ou de camponeses que tinham a Bíblia em casa. O que houve entre nós, na Argentina e no Chile durante o tempo assassino sob a égide das forças militares é também de estarrecer.

Atualmente, dada a crise econômico-financeira, há milhões passando fome, crianças famélicas definhando e gente na rua pedindo centavos para comer qualquer coisa. Mas o que mais dói é o sofrimento dos inocentes. Também dos milhões de pobres e miseráveis que sofrem as consequências de políticas econômicas e financeiras sobre as quais não têm nenhuma influência.

Mas são vítimas inocentes, cujo grito de dor sobe ao céu. Dizem as Escrituras do Primeiro e do Segundo Testamento que Deus escuta seus gritos. Um dos profetas chega a dizer que as blasfêmias que proferem por causa da dor, Deus as escuta como súplicas.

Nesse momento há um manto de dor que cobre todo nosso país, com alguma esperança de que as eleições nos tragam líderes cujas políticas sociais façam o povo sofrer menos ou não mais sofrer e até de voltar a sorrir. Bem haja!

Mas o sofrimento dos inocentes é um eterno problema para a filosofia e principalmente para a teologia. Sejamos sinceros: até hoje não identificamos nenhuma resposta satisfatória por mais que grandes nomes, desde Agostinho, Tomás de Aquino, Leibnitz até Gustavo Gutiérrez entre nós, tentassem elaborar uma teodiceia, quer dizer, um esforço de não ligar Deus ao sofrimento humano. A culpa estaria apenas do nosso lado. Mas em vão, pois o sofrimento continua e a pergunta permanece irrespondível.

Talvez o primeiro a formular a questão, sempre repetida pelos grandes pensadores como Russel, Toynbee e outros, foi formulada por Epicuro (341-270 a.C) e recolhida por Lactâncio, um cristão e conselheiro de Constantino (240-320 a.C), em seu tratado sobre A ira de Deus. A questão se põe assim: Ou Deus quer eliminar o mal, mas não pode, deixa de ser onipotente e já não é Deus. Ou Deus pode suprimir o mal e não o quer, então não é bom e deixa de ser Deus e se transforma num demônio. Em ambos os casos fi ca a pergunta: de onde vem o mal?

O judeu-cristianismo responde que vem do pecado humano (original ou não) e somos os produtores de Auschwizt e de Ayachucho e os grandes massacres dos colonizadores ibéricos no nosso Continente. Mas a resposta não convence. Se Deus previu o pecado e não criou condições para evitá-lo é sinal que não é bom. Porém se fez todo o possível para evitar o pecado e não o conseguiu então é prova de que não é onipotente. Em ambos os casos não seria Deus.

E assim caímos na mesma questão de Epicuro. As teólogas eco feministas criticam essa formulação entre impotência e falta de bondade como patriarcal e machista, pois tais atributos de onipotência e bondade seriam atributos masculinos.

O feminino sente e pensa diferente, bem na Filósofo. Teólogo. Escritor. Excerto do livro Saber Cuidar. 18ª Edição. Editora Vozes. 2012. linha dos profetas e de Jesus. Estes criticavam uma religião sacrificial em nome da misericórdia: “quero misericórdia e não sacrifícios” soa na boca deles. A mulher está ligada à vida, à misericórdia para com quem sofre e sabe melhor identificar-se com as vítimas.

Argumenta-se então: Deus é tão bom e onipotente que pode renunciar a tais prerrogativas (deixa de ser o “Deus” das religiões convencionais) e se faz ele mesmo um sofredor, vai para o exílio com o povo, é perseguido e por fim é crucificado em seu Filho Jesus. Comentava D. Bonhöffer, o teólogo que participou do atentado contra Hitler e foi enforcado: “Só um Deus sofredor nos pode ajudar”. Talvez por aqui nos venha alguma luz bruxuleante. Quem sabe entendamos alguma coisa do mal, quando o combatemos pelo caminho do bem.

Se não temos resposta para o mal, apenas sabemos agora que nunca estamos sós no sofrimento. Deus sofre junto. O terrível do sofrimento é a solidão, a mão que se nega de se pôr no ombro, a palavra consoladora que falta. Aí o sofrimento é completo.

Não há resposta para o sofrimento dos inocentes nem para o mal. Se houvesse, o sofrimento e o mal desapareciam. Eles continuam aí fazendo sua obra perversa. Quem nos salvará? São Paulo, confiante, responde: “é só na esperança que seremos salvos”.

Mas como tarda a se realizar esta esperança!

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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