O TAO DO CERRADO

O Tao do Cerrado

Por Romulo Andrade 

milenar às adversidades:
solo ácido, , raio, fogo, foice
ignorância, motoserra, trator e correntão.

Com as suas profundas raízes –
quando queimado, na primeira chuva
capaz de renascer em rubros
brilhantes, tenros brotos.

Não tem a exuberância da mata tropical
discreto, guarda remédios preciosos
sortilégios e segredos, como ensina
a vó sertaneja, o povo indígena.

Considerado infrutífero
pelos homens do progresso
sem importância econômica, sem valor
pelos tecnocratas importados –
os mais equivocados.

Leve, profundo, misterioso como o Tao:
Caminho da vida – Universo inominado.

Ensina pelo exemplo o viver no equilíbrio:
sem desperdício, no fluxo exato
resíduo zero.

Que dizer da sua rara beleza:
vasto planisfério estrelado
espaço a céu aberto de chapadas
transparência de águas cristalinas
tapiocanga, rochas, jardins de bonsai.

Na força dos seus contrastes
a um só tempo: delicado e agreste
frágil e vigoroso, bizarro e gracioso.

Não se pode permitir que a cegueira
e ganância de homens sem raiz
possa vencer sua obstinada vocação
às mutações, ao milagre da vida.

Romulo Andrade
poema iniciado em 1994 e que veio se lapidando com o tempo.

romulo andrade sementes aliadasa
Romulo Andrade – Sementes Aladas

ROMULO ANDRADE 

Romulo Andrade nasceu em março de 1954, em Niterói, Rio de Janeiro. Ele cresceu em Jacarepaguá, no campo do Rio, no peito da família extraordinariamente musical e sensível de sua mãe. Durante os anos 1965-68, ele começou a passar mais tempo em São Paulo com seu pai. Lá ele teve melhor acesso à música contemporânea e da época: os Beatles, Stones, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes – o movimento tropicalista… lá participou de festivais de música brasileira e visitou a Bienal de São Paulo, galerias de arte e museus.

Em 1975, mudou-se para Brasília, a moderna capital brasileira projetada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, com amigos. Lá ele se juntou a um interessante movimento cultural juvenil no Centro de Criatividade/ Teatro Galpão, onde conheceu mestres de arte contemporânea moderna e participou de oficinas e aulas de artes visuais, , dança e apresentações de teatro. Juntou-se também a um movimento artístico chamado Cabeças que organizou concertos, exposições e oficinas. Desde 1976/ 84 trabalhando como designer gráfico, frequentou a de Brasília onde obteve uma graduação em Artes Visuais.

Desde 1978, Andrade obteve um extenso currículo com exposições individuais e coletivas. De 1976 a 2001, tomou uma abordagem poética para as terras do Brasil, focando na antiga natureza misteriosa do Cerrado, a grande região da savana com muitos rios, nascentes e aquíferos. Ele cunhou a expressão “Cerrado: Berço das Águas” em 1991 a partir de um cartaz de poema que ele produziu como parte de uma campanha ambiental para o “Fórum Global do Rio ’92. ” Este conceito ainda ressoa hoje como uma mensagem de imagem brasileira.

Em 1988 mudou-se com a família, esposa, duas filhas e dois filhos para uma casa de campo nos exuberantes campos do Cerrado a 30 km do centro de Brasília. Ele ainda vive lá hoje, rodeado por algumas árvores nativas brasileiras que ele plantou.

Em 2000, embarcou em uma grande jornada homenageando a Expedição Humboldt (1799-1804) que começou na São Gabriel da Cachoeira, próximo à fronteira colombiana e terminou dois meses depois em Belém do Pará. Com um grupo de cientistas que incluía botânicos, historiadores, antropólogos, biólogos e fotógrafos, ele atravessou as florestas dos rios Negros e num barco que navegou por quase 10.000 km de afluentes da .

Participa ativamente do Movimento Artistas pela Natureza, um coletivo que em defesa do bioma Cerrado, dos rios brasileiros, dos territórios e dos direitos indígenas. 

O trabalho de Andrade inclui pinturas, desenhos, gravuras, poesia visual, instalações e montagens. Ele gosta de usar materiais impregnados pelo tempo, como madeiras nobres, folhas de metal e pedras de rio para evocar memórias antigas que ligam lugares sagrados na natureza. Ele prepara as suas tintas com temperatura de areia, e pigmento mineral, muitas vezes usa papel feito à mão para desenhar e pintar ecrã e reciclar as telas de algodão duro usadas em grandes caminhões.

Há um toque transcendental nas suas invenções. Em sua busca existencial por um renascimento da ancestralidade, ele persegue os antigos e sítios arqueológicos que estão espalhados pelas florestas e cavernas do continente sul-americano. As imagens que ele cria em tela dialogam com sonhos, visões e memória profunda. O resultado é uma espécie de dimensão mágica que imita os povos indígenas ameríndios, seus xamãs e curandeiros ~ aqueles a quem ele poeticamente chama de selvagens do futuro.

Romul Andrade Berco das aguas 1994 350x267 1
Romulo Andrade – Berço das Águas – 1994

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA